O triunfo inquestionável da sueca

14:29

O café da aldeia está cheio. Toma-se café. Travam-se diálogos. Lançam-se “desafios” para um jogo de sueca. Grupos de quatro pessoas procuram uma mesa disponível para palco do desafio. Sentam-se os parceiros e os adversários. Prepara-se o início da partida: papel e caneta para registar os resultados dos jogos. Traça-se uma linha na horizontal, intersectada por 10 traços verticais, que testemunhará os vencedores e os vencidos no final de cada jogo. Baralham-se as cartas. Parte-se o baralho (de modo premeditado ou aleatório). Tira-se a primeira carta – o trunfo – e deposita-se na mesa. Distribuem-se 10 cartas por cada jogador. E começa o jogo: a pessoa que baralhou é a primeira a lançar uma carta na mesa, seguida dos demais jogadores, no sentido contrário ao dos ponteiros do relógio. Exibe-se o trunfo durante a primeira jogada e, no final da mesma, o jogador retira-o para juntar às restantes cartas.

Em cada jogada prevalece a carta que tiver o valor mais alto. Os ases valem 11 pontos; as manilhas, 10 pontos; o Rei vale 4, mais 1 que o Valete e mais 2 que a Dama; seguem-se as senas, as quinas, as quadras, os ternos e os duques, que, a menos que sejam trunfos, não valem nada. Os trunfos estão no topo da hierarquia. O resultado decide-se em 10 jogadas, no fim das quais contabilizam-se os pontos arrecadados por cada uma das equipas.

A sueca é um jogo de cartas cuja regra principal é a obrigatoriedade de assistir ao naipe jogado pelo adversário ou pelo parceiro. Para ganhar há que somar 60 pontos e metade evita que a equipa perca 2 jogos. É necessário uma vaza para evitar perder 4 jogos. Para os mais iniciados, a dica, fornecida gratuitamente pelos mais experientes, é simples: “Se não tiveres o naipe, cortas! Se tiveres, assistes”. No entanto, convém a um jogador de sueca reunir algumas competências: deve ser perito em cálculos (porque lhe vai permitir saber quantos pontos tem e quantos têm os adversários, saber de quantos precisa para “livrar” ou ganhar, saber quais as cartas que já saíram, nomeadamente o número de trunfos que estão “fora de jogo”, daí que se diga que a sueca é também um jogo de memória), deve ser perspicaz para fazer face aos ataques do adversário e para acompanhar os lances do parceiro, isto é, deve prestar a máxima atenção ao jogo em todas as suas vertentes e controlar a que estiver ao seu alcance, pois as pequenas falhas podem ser fatais em jogos equilibrados.

O jogo da sueca é um verdadeiro misto de sorte e mestria, que exige concentração máxima e uma observação constante e atenta. O jogo decorre em silêncio, dado que, segundo a lenda, a sueca foi inventada por mudos e não é permitida qualquer troca de palavras entre parceiros. Porém isso não significa que não haja uma comunicação “camuflada”, que pode passar por um ajeitar das cartas, uma mão no cabelo, um suspiro, um pestanejar excessivo, etc. Estes pequenos gestos recebem o nome de sinais e são determinantemente proibidos. Contudo, os sinais facilitam um bom desfecho do jogo a favor de quem os utiliza, uma vez que servem para pedir uma carta, para comunicar que se tem outra, para que se repita o naipe anterior, etc. O tempo, a experiência e a capacidade de dissimular naturalidade nos gestos encarregam-se de lhes dar subtileza, de os tornar quase invisíveis ao olhar menos treinado ou até mesmo imperceptíveis ao olhar dos mais experientes e atentos.

Quando há pessoas que já jogam juntas há muito tempo, acabam por “adivinhar” o jogo uma da outra, formando duplas difíceis de derrotar, é que o hábito favorece o desenvolvimento das estratégias. À sorte dos principiantes opõem-se a sabedoria dos entendidos. Todavia, a sueca é também um jogo de heróis imprevistos.
Jogo de silêncio, de concentração, de memória e de atenção, a sueca é ainda um teste à paciência. É preciso saber esperar, por vezes jogadas a fio, para que uma manilha sucumba a um às e, dessa forma, somar 61 pontos, só mais 1 do que o empate, mais 2 do que o adversário. Há jogos em que basta uma jogada mal calculada, uma precipitação impulsiva para deitar tudo a perder, embora os mais experientes raramente se enganem.

Há que somar 30 pontos para se “livrar”, mais 30 para ganhar o jogo ou 31 para fazer com que o adversário perca 2 jogos. Acontecem também situações em que uma das equipas consegue arrebatar 4 jogos de rajada à equipa adversária, facturando um total de 120 pontos. Perder 4 jogos de rompante pode ser o cúmulo do azar, o pior dos jogos ou o resultado de uma renúncia, considerada a mais grave das infracções, visto que é um ataque directo ao pilar que sustenta a sueca: “é obrigatório assistir”. Se são puxadas espadas, todos têm que jogar espadas desde que as tenham na mão.

Na última jogada, há quem ponha grande solenidade no momento de bater a derradeira carta na mesa: a expressão facial adquire um ar sério, o braço direito sobe à altura da cabeça, cerram-se os dentes, desenha-se um sorriso de conquista. No final, os adversários, resignados com o resultado, cumprimentam-se ou pedem a desforra. Este é o ritual que entretém o tempo e promove a reunião das pessoas à volta de 40 cartas que se sucedem na mesa, recolhidas alternadamente. De referir ainda que as cartas batidas não podem ser tiradas da mesa.
A sueca é considerada “uma espécie de passatempo nacional não oficial”, que não escolhe sexo, idade ou local. Assim, a sueca promete animar as noites frias de Inverno e intensificar os ânimos nas tardes quentes de Verão, no café da aldeia. E, a fechar com um golpe de mestre, o importante num jogo não é ter boas cartas na mão, mas sim jogar o melhor possível com aquelas que se tem, sem batota pelo meio. Uma vitória quer-se honesta e, se possível, justa.

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