Entrelinhas

10:32

Ele já tinha lido toda a obra. Faltava-lhe apenas uma história. Simples e aparentemente inacessível para ele. De três em três semanas, assomava a esperança. Havia a expectativa de a ver na caixa de plástico, debaixo de outros livros, bem lá no fundo. Perguntava se a traria um dia. A incerteza da resposta desculpada com responsabilidades alheias.

Ele acabou por contar esta história, em jeito de epílogo. Para mim, foi como se tivesse nas mãos um novo papel. Servi-me do mote e embrenhei-me num enredo, cujo desenlace esperava terminado dali a dias. Volta e meia vi-me a percorrer prateleiras e a inquirir pela tal obra. A busca ameaçou tornar-se difícil, mas não impossível.

A idade dele era da dimensão do livro que andava a ler: muito grande. O tempo que agarrava entre os dedos fez-me sentir ainda muito nova. Rodeado por pessoas como ele, algumas completamente indiferentes àquele espaço, até a este mundo, ele encontrava companhia entre as letras. Só não encontrava depois, no vagar das horas, a quem contar o que tinha lido.

Ele não disfarçava o quanto já lhe custava sentar-se na cadeira de madeira, mesmo com o auxílio de um par de mãos. Ele não escondia que filhos e amigos lhe traziam outros livros, mas talvez nunca lhes tenha revelado que lhe faltava justamente aquele.

Num destes serões, a narrativa deve ter-se espreguiçado à frente dos seus olhos e ele há-de ter esboçado um sorriso. E com isso apenas me interrogo: haverá melhor final feliz?

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