Presença apressada

04:31


Falta-te a paciência de antes. Parece-me que vais estando, por estar. Sinto que a tua presença exige agora solicitação antecipada e previamente confirmada. Vais sabendo de mim, por um esforço consciente de te fazer chegar a informação mais relevante, embora nem sempre consentânea com as minhas necessidades. A isso, tu sabias como chegar. Há parcelas que se apagaram em ti. Esgano a vista para lhes tocar, pois acredito, veemente, que elas ainda estão agarradas aos detritos que se depositam nas profundezas do teu coração.

Falta-te o tempo dessa outrora, esquecida e perdida. O parco interesse que revelas é quase uma actividade que cumpre horários monótonos. Há sombras que se agigantam quando te debruças sobre o que faço. Tapas-lhe a luminosidade, porque não sabes agora como é que aquilo foi feito, o cenário emocional em que me movimentei, a vontade que me moveu. Parece que chegas, bates palmas e não esperas para falar comigo quando as portas do circo encerram. Já não deixas que os fragmentos de ti me cheguem em estado bruto.

Falta-te a limpidez do olhar, agora viciada e embrutecida. Sei que os teus olhos emanam ironia a simular sinceridade. Quero mostrar-te os horizontes que aprisionei nos meus dedos por ténues segundos, falar-te das cores que lhes dei e segredar-te que lhes diminui o tamanho para caberem dentro do livro que tenho na secretária, há meses, para te emprestar.

Falta-te a sensibilidade para notares que há cada vez menos partilha e que a cumplicidade se esforça por se equilibrar nesse conhecimento mútuo que vem de trás como as crianças quanto experimentam caminhar nos sapatos de salto alto das mães. Vão perdendo o sentido os nossos passos paralelos, porque não contamos as histórias ridículas, os sonhos secretos, as faltas ressentidas.

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