Desprender
03:49Os corredores à mercê da penumbra. As portas cerradas ou a roçar a soleira. Os corpos estendidos, em repouso aquecido pelos cobertores. Nos móveis, fotografias de uma vida, desde os tempos de meninice (nascimento, baptizado, aniversários) e a terminar nos casamentos.
Subitamente, o telefone toca. Estridente e intrusivo.
Um despertar em sobressalto. Os sentidos em alerta.
Do outro lado, uma voz a pedir calma, em jeito de antecipação de uma comunicação trágica. Há ruído de fundo. Talvez sirenes. Talvez gritos distantes. Debita o sucedido, sem entrar em pormenores.
Do lado de cá, sentem-se os pés frios, o corpo entorpecido, uma dor lancinante. Há um silêncio profundo. Talvez caiam umas lágrimas vagarosas. Talvez respirações quietas. Recupera as últimas palavras, sem querer.
Desligam. Deixa-se cair no chão, num mutismo atroz.
Repentinamente, as fotografias que vê magoam sem saber.
Perdeu-a. Para sempre.
imagem retirada da Internet
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