Ainda te lembras como era?

18:11

Combinava-se na escola, entre as amigas, quem tinha a missão de o trazer. Pedinchava-se, depois, em casa. Entre a insistência e a impaciência, conseguia-se a cedência maternal.

Lembro-me dela se levantar do sofá, de eu ficar a ver televisão e de vê-la regressar com a cesta nas mãos. Pelo sofá, espalhou caixas de botões multicolores e de diferentes tamanhos, alfinetes espetados numa almofada feita para o efeito, tesouras pontiagudas, carrinhos de linhas e, por fim, um emaranhado esbranquiçado.

Espreitava a operação pelo canto do olho. Pegou nele, desembaraçou até considerar que a medida seria a adequada. Possivelmente, ter-me-á perguntado algo a esse respeito. Já não me recordo. Mas bastou um gesto decidido para, em fracções de segundo, dar um nó firme e entregar-me o resultado final.

Corri a metê-lo na mochila encostada atrás da porta do quarto, carregada de livros, deveres feitos e um porta-lápis único. Regressei radiante e ansiosa pela manhã.

Vesti-me sozinha, comi à pressa, lavei os dentes sem me mandarem. Cheguei à escola mais cedo. No recreio, uma colega antipática e os garotos a jogar à bola. Podia ter-me juntado a eles, mas esperei por elas.

Quando apareceram, não lhes contei a novidade. Era melhor que a vissem... Tirei a mochila das costas, abri o fecho de um dos bolsos laterais e puxei do elástico. Exaltação geral. Mochilas rapidamente atiradas contra uma das paredes da escola e fila formada para ganhar a vez.

imagem retirada da Internet

E, durante semanas, aquele foi o nosso alegre contentamento. Cada minuto do intervalo era empregue naqueles saltos previsíveis, naquela espécie de coreografia que seria perfeitamente executada até de olhos fechados. Havia palavras específicas para acompanhar cada movimento e que se sabiam de trás para a frente. Pelo meio, um bater de palmas.

Preso nos tornozelos, o elástico era rei e senhor. Ditava as regras e era respeitado sem reclamações. Os olhares atentos a cada viragem, a cada pousar do pé, à cata do mínimo toque, da mais pequena vibração do tecido.

Conforme a perícia ou a elasticidade demonstrada, o nível de exigência aumentava e o elástico podia ser colocado à altura do pescoço ou até dos braços erguidos. À medida que a dificuldade crescia, as normas mudavam e já era válido tocar ou pisar o elástico sem perder a vez.

Em casa, também se treinava, ou melhor, alimentava-se a brincadeira. Perante a falta de assistentes de jogo, usavam-se as cadeiras da cozinha (bem mais silenciosas e menos censuradoras) e eis que estava tudo pronto para recomeçar o exercício de salto.

Hoje, que já saltei sobre esse tempo, penso no elástico por mero acaso. A dificuldade para me lembrar como se jogava está ao nível do pescoço, se não mesmo dos braços. Belisco a memória, essa memória esmagada pelos passos de pernas crescidas.

E se, aqui e agora, tivesse que entreter duas miúdas, seria capaz de passar o testemunho? Talvez fosse melhor recorrer às cadeiras da cozinha. Só para voltar a treinar.

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