Religiosamente

14:50

Percorro ruas apinhadas. Passo pelos pensamentos em reboliço. O olhar vagueia.

Elas erguem-se por entre o casario ou num descampado e não lhes resisto. São fachadas austeras, cuja traça arquitectónica denuncia o legado deixado pelas mãos dos nossos antepassados.

A ornamentação pode ser ostensiva ou praticamente inexistente. Nelas penduram-se guardiães de pedra com semblantes impassíveis.

As portas de madeira são pesadas e, por norma, é preciso empurrá-las. Elas dividem dois mundos: o da cacofonias e o do mutismo.

Lá dentro, a organização é sempre igual: fileiras de bancos compridos que variam apenas na intensidade do castanho. Há uma pia de cantaria à entrada, que não é mais do que um bloco tosco na maioria das vezes.

Os santos ladeiam o corredor central e as velas amortecem a pouca luminosidade. Há algumas almas que por ali fazem as suas preces. Distingue-se a beata que segura o terço nas mãos e, prostrada, apela ao seu Deus. Pede-lhe auxílio, compreensão, perdão ou até salvação. Há ainda o sacristão zeloso que se encarrega de verificar se está tudo em ordem. Figuras cujos passos não se ouvem.

Sim, gosto do silêncio das igrejas. É isso que me atrai. Posso estar sozinha, sem me importar com os ponteiros do relógio ou as vibrações do telemóvel. Posso estar ali sem ninguém saber como me encontrar.

Olho à volta para perceber os traços afáveis ou temerosos das figuras que se destacam nos altares, as cores amortalhadas das flores, a decrepitude das velas derretidas, as expressões crentes das pessoas que rezam.

Entre aquelas paredes, há uma paz silenciosa. São um subterfúgio no meio da azáfama citadina ou da pasmaceira rural. E eu gosto mesmo dessa obscuridade cúmplice e de sentir que emudecemos para partilhar as palavras que não soltamos, os medos que nos abanam como uma folha de papel, os sonhos que não deixamos crescer, as voragens do mundo cego, as emoções que nos rasgam o peito e não cicatrizam. Gosto de me deixar anular nesse silêncio sepulcral e acolhedor, nessa quietude imperturbável.

Gosto desses lugares onde alguns se entregam em promessas e orações, convictos da sua viabilidade. Gosto desses lugares de tectos altos votados à transcendência, dos seus tons dourados e recantos escuros, dos rostos sinistros e das poses estranhas.

Gosto das igrejas pelo silêncio milimétrico e imperial que emanam e irmanam quem ali sabe estar.

Jonathan Burstein

You Might Also Like

0 apontamentos

Total de visualizações

Procurar no blogue