Brinquedos resgatados à nostalgia

15:29

Não piscam, não usam pilhas, não trazem manual de instruções, não vêm em catálogos nem se encontram em hipermercados. São, assim, os brinquedos do tempo dos nossos avós: peças solitárias à espera de ganhar vida em mãos traquinas. António Fachina, artesão lamecense, troca as voltas à contemporaneidade e cria, em madeira, brinquedos de antigamente.


Começou a dedicar-se ao artesanato em 2002, depois de toda a vida ter trabalhado como carpinteiro. “Tive uma doença de coluna e fui proibido de fazer esforços, mas com 70 anos não me sentia bem. Então, resolvi começar a brincar.”

Como tinha muitas madeiras em casa, decidiu fazer os moldes com base nas recordações da sua meninice e nunca mais parou. Aos 82 anos, António passa os dias na oficina: “isto é uma doença. Até aos domingos da parte da manhã, fico aqui”.

Actualmente, os brinquedos de madeira caíram em desuso, fruto do avanço das novas tecnologias, da criação de variadas linhas de brinquedos pelas grandes marcas mundiais e do facto de outros materiais terem ocupado o lugar da madeira. No entanto, sobram ainda resquícios da popularidade de outras épocas, muitas vezes associados às memórias felizes dos mais crescidos.


Panóplia de atracções

A pequena oficina é uma espécie de lugar encantado, povoado por carrinhos de bonecas, cavaleiros, andorinhas, camionetas pequeninas, matraquilhos, carroças de cavalos, gregórios, bonequinhos de andar à roda, carrinhos de bois.

As preferências parecem dominadas pela andorinha, pois “enquanto se vendem cinco peças de outros brinquedos, vendem-se 20 andorinhas”. “As crianças começam a ver as asas bater uma na outra e encantam-se por isso, de tal modo que nunca mais largam”, explica.

São brinquedos que despertam a curiosidade pelas cores garridas, pelos feitios, pela textura. São peças que servem de trampolim para a imaginação dos mais pequenos e de saudosismo para os adultos. “As camionetas já são para uma criança de 4 ou 5 anos e os carrinhos de bois pequeninos são para os adultos que os vêem como bibelots.”

A criança acaba por ser um cliente fácil, pois começa a brincar e os pais, por norma, não contrariam a sua vontade. Afinal, “a melhor maneira de tornar as crianças boas é torná-las felizes” (Oscar Wilde).

Também são procurados por adultos que compram por lembrança. Dizem «no meu tempo havia isto, vou levar um para recordação», acrescenta o artífice. As pessoas lamentam o desaparecimento dos brinquedos de madeira e elogiam o esforço de António em alimentar esta arte.

O brinquedo mais barato custa cinco euros, enquanto as camionetas grandes são para dez euros. “Depois, tenho os carros de bombeiros que custam 100 euros e o andor da Senhora dos Remédios vai para 150 euros. Destas peças vende-se muito pouco”, conclui.


Meio milhar de brinquedos

Imponentes e sossegados, os gregórios vigiam a destreza e o engenho com que o artesão constrói peças que suscitam os entusiasmos infantis. “Estes brinquedos têm uma recordação da minha infância, que deixo para as outras gerações.”

As tábuas de pinho têm de ser cortadas numa oficina para que fiquem com a espessura ideal. De volta ao seu recanto, o artesão percorre as superfícies de madeira com uma plaina para alisá-las e, com uma serrinha, faz as rodas do carrinho.

“Primeiro, talho as pecinhas todas e só começo a pregar e a armar depois de as pintar.” As cores, essas, repetem-se entre o amarelo e o vermelho porque “chamam mais à atenção”. Há, porém, algumas adaptações às opções clubistas ou às solicitações. “Já fiz andorinhas verdes e azuis e até pretas, porque um amigo me pediu um melro-preto de bico amarelo.”

Há peças que exigem ainda a aplicação de arames de aço ou chapas de zinco, como sejam as andorinhas, as rodas dos carrinhos, os trapezistas ou as roletas. Por ano, António é capaz de fabricar uns 500 brinquedos.

Ainda a cheirar a tinta e a cola, perfilam-se os objectos que acabarão por protagonizar tropelias e aventuras. “Isto morre porque ninguém quer aprender a fazer”, sentencia.

(Em homenagem ao sr. António Fachina, 
que infelizmente não chegou a ler esta reportagem 
e da qual, estou certa, muito se orgulharia.)

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