Trechos em dueto

10:36


Um desvio repentino precede um olhar fixo. Uma incerteza consumada sucede à emoção abafada. As mãos tristes preenchem o intervalo. E na epopeia de chegar daqui até aí, há risos abstractos que se emancipam. 

Nesse alvéolo de luz, em que cabemos os dois, os braços são agora o corpo imerso, vacilante. Queria, num afago de mãos cheias, maltratar a distância, desuni-la. Não conheço ainda essa tua gargalhada escondida, isenta, e esta garganta inflamada, ardente de um amor incerto, desconhece o grito que há-de dar. 

Nos ecos desse silêncio revoltado, moram as nossas vozes enroscadas à lareira dos afectos. Desejam o calor que não chega nesta madrugada vadia. Há chuva pisada pelos carros e salpicos lacrimejantes nas vidraças. Olhamos a rua que testemunhará o desencontro desmarcado. 

É frio meigo, daquele que não castiga a carne. Enrosca-te na métrica dispersa dos versos que ele te canta. Eu vou continuar perdido, em busca do reencontro, enquanto oiço os meus lamentos na prosa do vento. 

Por vezes, chego mesmo a gostar dessa rima desemparelhada, porque é dissemelhante de tudo o que sentimos. Inconfessadamente, percorro todas as estrofes que remetam para os teus olhos à deriva. 

Com esses, que dizes perdidos, avisto socalcos em forma de palavras. Uma inesgotável escadaria de consoantes a fumegar de brio, flanqueadas por vogais com cio. Ambas, como nós, embargadas por interrogações pausadas. 

Se a realidade que nos morde o fizesse com a mesma ternura com que desdobramos as letras, teríamos alma para dar corpo às certezas vacilantes. Sim, essas que escondemos no vale encaixado do coração. 

Em mim vacila apenas o esqueleto, desunido, carcaça de quem te olha, por dentro, ao longe. Tudo o resto de mim vive, nesse vale, onde passo as horas a colher as pétalas que deixas cair enquanto ris. Nesse vale palpitante em que te encontro, não há realidade. Há só a alma das letras que nos prende. 

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