Brinquedos resgatados à nostalgia
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Não piscam, não usam pilhas, não trazem manual de instruções, não vêm em catálogos nem se encontram em hipermercados. São, assim, os brinquedos do tempo dos nossos avós: peças solitárias à espera de ganhar vida em mãos traquinas. António Fachina, artesão lamecense, troca as voltas à contemporaneidade e cria, em madeira, brinquedos de antigamente.
Começou a
dedicar-se ao artesanato em 2002, depois de toda a vida ter trabalhado como
carpinteiro. “Tive uma doença de coluna e fui proibido de fazer esforços, mas
com 70 anos não me sentia bem. Então, resolvi começar a brincar.”
Como tinha muitas madeiras em casa, decidiu fazer os moldes com base nas
recordações da sua meninice e nunca mais parou. Aos 82 anos, António passa
os dias na oficina: “isto é uma doença. Até aos domingos da parte da manhã,
fico aqui”.
Actualmente, os brinquedos de madeira caíram em desuso, fruto do avanço das
novas tecnologias, da criação de variadas linhas de brinquedos pelas grandes
marcas mundiais e do facto de outros materiais terem ocupado o lugar da
madeira. No entanto, sobram ainda resquícios da popularidade de outras épocas,
muitas vezes associados às memórias felizes dos mais crescidos.
Panóplia
de atracções
A pequena
oficina é uma espécie de lugar encantado, povoado por carrinhos de bonecas,
cavaleiros, andorinhas, camionetas pequeninas, matraquilhos, carroças de
cavalos, gregórios, bonequinhos de andar à roda, carrinhos de bois.
As
preferências parecem dominadas pela andorinha, pois “enquanto se vendem
cinco peças de outros brinquedos, vendem-se 20 andorinhas”. “As crianças começam a ver as asas bater uma
na outra e encantam-se por isso, de tal modo que nunca mais largam”,
explica.
São brinquedos que despertam a curiosidade pelas cores
garridas, pelos feitios, pela textura. São
peças que servem de trampolim para a imaginação dos mais pequenos e de
saudosismo para os adultos. “As camionetas já são para uma criança de 4 ou
5 anos e os carrinhos de bois pequeninos são para os adultos que os vêem como bibelots.”
A criança
acaba por ser um cliente fácil, pois começa a brincar e os pais, por norma,
não contrariam a sua vontade. Afinal, “a melhor maneira de tornar as crianças
boas é torná-las felizes” (Oscar Wilde).
“Também são
procurados por adultos que compram por lembrança. Dizem «no meu tempo havia
isto, vou levar um para recordação», acrescenta o artífice. As pessoas lamentam
o desaparecimento dos brinquedos de madeira e elogiam o esforço de António em
alimentar esta arte.
O brinquedo
mais barato custa cinco euros, enquanto as camionetas grandes são para dez
euros. “Depois, tenho os carros de bombeiros que custam 100 euros e o andor da
Senhora dos Remédios vai para 150 euros. Destas peças vende-se muito pouco”,
conclui.
Meio milhar
de brinquedos
Imponentes e sossegados, os gregórios vigiam a destreza e o engenho com que o artesão
constrói peças que suscitam os entusiasmos infantis. “Estes brinquedos têm
uma recordação da minha infância, que deixo para as outras gerações.”
As tábuas de pinho têm de ser cortadas numa oficina
para que fiquem com a espessura ideal. De volta ao seu recanto, o artesão
percorre as superfícies de madeira com uma plaina para alisá-las e, com uma
serrinha, faz as rodas do carrinho.
“Primeiro, talho as pecinhas todas e só começo a
pregar e a armar depois de as pintar.” As
cores, essas, repetem-se entre o amarelo e o vermelho porque “chamam mais à
atenção”. Há, porém, algumas adaptações às opções clubistas ou às
solicitações. “Já fiz andorinhas verdes e azuis e até pretas, porque um amigo
me pediu um melro-preto de bico amarelo.”
Há peças que
exigem ainda a aplicação de arames de aço ou chapas de zinco, como sejam as
andorinhas, as rodas dos carrinhos, os trapezistas ou as roletas. Por ano, António é capaz de fabricar uns
500 brinquedos.
Ainda a cheirar a tinta e a cola, perfilam-se os
objectos que acabarão por protagonizar tropelias e aventuras. “Isto morre porque ninguém quer aprender a
fazer”, sentencia.
(Em homenagem ao sr. António Fachina,
que
infelizmente não chegou a ler esta reportagem
e da qual, estou certa, muito se
orgulharia.)
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