O céu escarlate domina o horizonte, nesta terra de homens tisnados. A esta hora, não importa a idade, as crenças, as ocupações, talvez até as geografias sentimentais. A esta hora, por aqui, todos acorrem à praia de areia fina para espreitar este fenómeno da Natureza. Em terra estrangeira, com outra perspectiva, é curioso observar que este povo de expressões robustas e feitio selvagem regressa à quietude com que acordam para mais um dia.
Por aqui, todos se conhecem. Os parentes moram, no limite, à distância de um quarteirão. Os vizinhos são uma segunda família. E todos mantêm esse ritual, essa espécie de amor à palavra e reúnem-se, naturalmente, para conversar. Não importa se o assunto é urgente, se o motivo é trivial, se não há sequer argumento e ficam apenas rostos que se entreolham em silêncio, confortavelmente. Esta gente alegra-se quando uma cultura vinga em terreno inóspito na mesma proporção com que sabe que o filho já nasceu.
Espero pelo fim da tarde e tenho o privilégio de poder trabalhar descalço, com a água salgada a beijar-me os pés enquanto caminho na sua direcção. Aproximo-me, calmamente, de um grupo de indígenas.
São três homens, uma criança e duas mulheres. Todos fitam o pôr-do-sol, sem pressas. Murmuram entre si, enquanto a sua visão lateral regista os meus passos. Talvez se questionem porque trago tanta roupa e carrego uma mala.
Respeito o seu cerimonial, pelo que me posso sentar à sua beira, sem que me estranhem. Tal como eles, estou ali para ver o sol mergulhar no mar. Os meus pensamentos são invadidos pela beleza inacreditável daqueles instantes. Depois, a minha consciência desperta-me para a necessidade imperiosa de registar...
Puxo a mala e procuro o telemóvel. Ligo-o e começo a filmar. A plateia à minha volta está boquiaberta. Segue, pela primeira vez, o pôr-do-sol através do pequeno ecrã. Ficam curiosos num primeiro momento e, depois, voltam a concentrar atenções na linha do horizonte.
Concluído o ocaso, coloco o telemóvel sobre a palma da mão de um deles. O vídeo começa a reproduzir... Da expectativa desconfiada rapidamente surge a estupefacção com o "milagre". Refeitos da surpresa, querem o telemóvel. Discutem entre eles, olham para mim, fazem perguntas: "Como é possível? Como se faz? Dá para ver mais?"
De repente, o meu telemóvel toca. Nova inquietação que se instala. Gostam da música e começam a dançar à volta do aparelho, sem que eu tenha coragem de atender a chamada.
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