Nesse alvéolo de luz, em que cabemos os dois, os braços são agora o corpo imerso, vacilante.
Queria, num afago de mãos cheias, maltratar a distância, desuni-la. Não conheço ainda essa
tua gargalhada escondida, isenta, e esta garganta inflamada, ardente de um amor incerto,
desconhece o grito que há-de dar.
Nos ecos desse silêncio revoltado, moram as nossas vozes enroscadas à lareira dos afectos.
Desejam o calor que não chega nesta madrugada vadia. Há chuva pisada pelos carros e
salpicos lacrimejantes nas vidraças. Olhamos a rua que testemunhará o desencontro
desmarcado.
É frio meigo, daquele que não castiga a carne. Enrosca-te na métrica dispersa dos versos que
ele te canta. Eu vou continuar perdido, em busca do reencontro, enquanto oiço os meus
lamentos na prosa do vento.
Por vezes, chego mesmo a gostar dessa rima desemparelhada, porque é dissemelhante de
tudo o que sentimos. Inconfessadamente, percorro todas as estrofes que remetam para os
teus olhos à deriva.
Com esses, que dizes perdidos, avisto socalcos em forma de palavras. Uma inesgotável
escadaria de consoantes a fumegar de brio, flanqueadas por vogais com cio. Ambas, como nós,
embargadas por interrogações pausadas.
Se a realidade que nos morde o fizesse com a mesma ternura com que desdobramos as letras,
teríamos alma para dar corpo às certezas vacilantes. Sim, essas que escondemos no vale
encaixado do coração.
Em mim vacila apenas o esqueleto, desunido, carcaça de quem te olha, por dentro, ao longe.
Tudo o resto de mim vive, nesse vale, onde passo as horas a colher as pétalas que deixas cair
enquanto ris. Nesse vale palpitante em que te encontro, não há realidade. Há só a alma das
letras que nos prende.
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