Uma infância negada por um trabalho que não se escolheu

15:54

A exploração do trabalho infantil é uma realidade que permanece um pouco à margem da consciência da sociedade contemporânea. A cobertura noticiosa sobre o assunto quase se restringe ao dia que é consagrado ao combate do trabalho infantil e quando há números assustadores sobre esta realidade, que importa revelar.

O trabalho infantil implica um crescimento forçado da criança. Desde muito cedo, há responsabilidades que lhe são imputadas e demasiadas exigências que lhe são feitas, esquecendo-se que se tratam de crianças e não de adultos em miniaturas.

As crianças devem ir à escola, conviver com outras crianças, saltar, correr, gritar, chorar, brincar – realidades que estão excluídas do mundo artístico. No palco do espectáculo, se correm, brincam ou choram estão apenas a representar um papel. De facto, o trabalho infantil no meio artístico acaba por ser socialmente bem aceite e raramente nos lembramos que, por detrás dos actores e actrizes que são filhos dos protagonistas das nossas novelas de eleição, estão crianças. Crianças cujo pleno desenvolvimento pessoal e interpessoal está seriamente comprometido.

Claro que a responsabilidade directa recai sobre os pais. Eles deveriam ser os primeiros a não permitir que os seus próprios filhos se tornem a mascote de anúncios publicitários, as estrelas do pequeno ecrã. Os pais deveriam dar um tipo de vivências diferentes a esses miúdos, permitindo-lhes viver um período da vida recheado de brincadeiras e traquinices. Sim, os pais defendem-se, dizem que assim os filhos asseguram o seu próprio futuro e vão mais longe. Os filhos até são bem pagos para aquilo que fazem e, bem vistas as coisas, eles têm muito tempo para brincar, para serem crianças, pois aquilo que importa são os euros que arrecadam, independentemente do insucesso escolar (em consequência do tempo que dedicam ao trabalho) e do pouco tempo que passam a brincar.

Os pais são responsáveis pelos filhos até que eles atinjam a maioridade, portanto, julgam legítimo decidir pelos filhos, tomam como sua a vontade deles. Na verdade, uma criança ainda tem um fraco poder de decisão e mesmo que consultada pelos pais e colocada a par das implicações de aceitar uma proposta de trabalho artístico, não tem maturidade suficiente para perceber aquilo que está realmente em causa. Os pais acabam por decidir pelos filhos, restringindo-lhes o leque de vivências que são normais para as outras crianças. Os pais desconhecem muitas vezes como pode ser difícil para uma criança conviver com o mediatismo, com a fama.

Refira-se ainda que os pais não pensam nas consequências futuras, quando, por exemplo, decidem expor o seu recém-nascido num filme. Como é que se reage nesta situação? Como saber se a criança não desejaria manter a sua identidade reservada, longe das luzes da ribalta? Os pais acham normal e até engraçado que o seu bebé apareça no ecrã, mas e mais tarde? Será que a criança quando for adulta vai conviver pacificamente com essa realidade, vai gostar de nunca se conseguir desligar de uma realidade que ela não pediu para criarem à sua volta?

Numa altura em que o desemprego continua a aumentar de forma galopante, pergunto-me como é que há lugar no mercado de trabalho para crianças, sem formação, sem vontade-própria consolidada, sem idade para exercer uma profissão. Sejamos conscientes que as crianças não devem ver as suas capacidades exploradas num mercado de interesses, em que os únicos que não saem beneficiados são os próprios trabalhadores “em ponto pequeno”.

You Might Also Like

1 apontamentos

Total de visualizações

Procurar no blogue