Tentando perceber a ordem das coisas...

04:38

Já somo uma quantidade invejável de pequenas frustrações e, à minha volta, acumula-se um número considerável de desilusões. Colecciono os sonhos que o tempo desfez e sou uma testemunha idónea do quanto já se me escapou por entre os dedos como o ar que não se consegue agarrar.

Aprendi que as probabilidades de ter aquilo que penso que me pertence efectivamente podem ser reduzidas até à nulidade ao mínimo gesto imponderado, à mais curta palavra lançada como arma de arremesso. Vou especializando-me em esperas que não têm prazo, em conformismos fundamentados por evidências que gostaria de negar.

Não sei quem se preocupou em traçar caminhos labirínticos que, à distância e observados com sentido estético, podem ser confundidos com um quadro do mais puro abstraccionismo, no qual predomina o fundo negro rasgado por traços carregados com a sujidade de um branco.

Eu gosto é de ver o pincel do tempo deslizar pela tela da vida, quando é apoiada pelo cavalete dos sonhos. Deito um olhar interessado aos traços inclinados das emoções fugidias. Sinto as cores escuras como os pilares da minha alma cinzenta e as linhas que se cruzam, em figuras indecifráveis, como os enigmas dos meus dias.

Choro sobre as matizes da manhã febril, porque percebo que também não há ordem no mundo lá fora: no passeio, cruza-se a menina rica e o idoso remediado; na estrada, segue uma mota comprada em segunda-mão e, no sentido contrário, vem um topo de gama; na praceta, as crianças brincam e os jovens fumam umas drogas; no café, junta-se o trabalhador com a instrução primária e uma patente militar; no mesmo prédio, mora o humilde alfaiate e a viúva endinheirada.

Todos eles sofrem, seja pela sua pobreza ou pela sua riqueza. Por detrás das aparências da normalidade, há as realidades que os aprisionam. Portanto, se não há ordem no mundo lá fora, porque desespero eu por trazê-la para dentro do meu mundo?

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