O travo do café frio

14:55

No preciso momento em que levas a chávena do café aos lábios sensatos, o telemóvel toca sibilante. O som da loiça é seguido pelo remexer das mãos na carteira atulhada de pequenas utilidades. Atendes calmamente. Ouves a voz familiar que tenta debitar palavras para quebrar o gelo, para atenuar a distância instalada pela própria distância.

Entretanto vais remexendo o café. O pouco açúcar que, por ventura, não tenha sucumbido ao poder da colher de metal, derrete. A doçura do café arrefece. O diálogo que travas mistura o aroma das velhas emoções com o sabor das novas sensações e a tua mente não consegue acompanhar a velocidade desse discurso esperançado e desesperado.

Tentas convencer-te que não tem que ser assim, contudo já não sabes se queres que seja diferente ou, aliás, que volte a ser como antes. A tua insegurança altera o teu registo. A voz foge do tom normal. A entoação revela um interesse forçado e desnivelado com o do teu interlocutor. Não se sente aquela espontaneidade de responder com simpatia e atenção.

Compreendo e aceito, porque sei que tens recebido doses extra de desatenções e desconsiderações que acabam por condicionar o teu subconsciente inconscientemente. Ficas, no entanto, contente pelo que ouves, mas não extravasas os teus sentimentos como antes. Fá-los prisioneiros do teu coração. Censuras-lhe a liberdade de expressão por hábito.

E por força da tecla que termina a chamada, tomas a chávena de loiça barata nos dedos confusos e provas o café frio.

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