Alternando entre os lados…

04:59

Na noite em que retomo a escrita desimpedida de deadlines, o entusiasmo de volta à ponta dos dedos, ritmado por uma música serena que alguém me enviou. Ouço-a e aprecio-a! Às vezes, apetecia-me ser livre de mim mesma. Poder evadir-me dos medos e das ansiedades. Poder poupar-me aos pequenos, mas lancinantes sofrimentos. Gostava de estar dos dois lados conforme a minha própria conveniência.

Como gostava de me refugiar fora dos meus pensamentos. Amarrar-me à minha liberdade, sem considerar isso sobranceria ou capricho. Apetecia-me ser como o balão encarnado que se solta da mão do miúdo na varanda e se afasta com destino incerto em direcção à imensidão do céu que nos abriga. Se fosse impelida pelo vento, não sentiria o peso das minhas indecisões. Se me desprendesse da mão de alguém, porque tinha que ser, não sentiria saudades. Voaria apenas para longe do alcance do olhar que tenta beliscar o horizonte.

Quando vou espreitar a minha varanda, gostava de me observar do outro lado da janela. Queria fazer a leitura de alguém que não está a dormir e enumerar motivos imaginários, com a segurança de desconhecer o verdadeiro.

Às vezes gostava de ignorar aquilo que institui como meu, aquilo que me prende pelo olhar, aquilo que me chega pelo tacto do coração. Gostava de tomar a forma do balão e ir ancorar num qualquer recanto inóspito, inexplorado, solitário. Contudo, se me tento afastar de mim, intempestivamente volto a mim e agarro aquilo que de mim ameaça fugir e acaba por não haver libertação possível.

Nesta noite que corre atrás da madrugada, não me aproximo da varanda e vejo a praceta dos infelizes que não dormem porque se afastaram de si sem se soltar. Interrogo-me: será o sono deles alguma vez tranquilo? Em formato de balão mal enchido, vagueio até à varanda e já não vejo nada.

Estarei já do outro lado a observar-me com distanciamento e objectividade? Ou apenas estarei deste lado, anestesiada pela melancolia da música, tentando abraçar a liberdade do não pensar, do não sentir?

Esvaziada de palavras, crescem cá dentro os silêncios como castelos de cartas: construídos em bases frágeis que explicam o imediato e completo desmoronamento. Agora, sendo impossível estar em ambos os lados, troco o relógio pelas horas. Esqueço a vontade de partir sem sair daqui, pois já fui e não voltei.

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