Encerrar de etapas

09:13

É sempre complicado gerir o final de uma etapa. Afinal, o que verdadeiramente conta é aquilo que fica para trás ou aquilo que esperamos que nos esteja reservado para a frente? De relance, as conquistas foram tantas que legitimam a confiança nos dias vindouros. Lembro-me, sem me demorar, das dificuldades várias, dos desafios maiores, das adversidades retorcidas, das pequenas vitórias comemoradas com cumplicidade.

À beira do poço das memórias desfragmentadas (de tão rápidas e sucedâneas que foram), puxo por aquela que me traz a emoção sentida no acto de escrever o primeiro texto. A noite tinha começado como as anteriores, tarde e descontraída, mas dentro sentia o relógio morder-me o pulso. Só algumas horas depois, a despedida se justificava. O pulso, pesado pela competitiva corrida dos ponteiros, deu corpo à adrenalina dos dedos. A inspiração nasceu simplesmente, vertendo-se em linhas que, à partida, como tantas vezes mo repetiram, tinham potencial para criar impacto. Hoje, é ainda esse texto que me deixa mais saudades… Ele foi produto de uma vontade hercúlea, resquício de uma visão pura das coisas, testemunho de colaborações simpáticas e naturais.

As semanas foram passando e, com elas, a paixão e o ímpeto passearam de mãos dadas e bem apertadas. É certo que algumas partes da vida assumiram uma prioridade invertida, algumas estagnaram, outras ressentiram-se seriamente. Contudo, só podia fazer sentido se fosse assim. A entrega total. A disponibilidade plena. Os horários trocados. As refeições apressadas ou saltadas. Ficar a escrever de madrugada ou interromper o sono por causa de trabalho. A ansiedade ante algo agendado. A pressão dos deadlines. A gratificação a surgir arrastada. Os dias menos propícios, em que parecia não haver qualquer afinidade entre a técnica e a inspiração. Enfim, o trabalho como a nossa segunda casa e quase como a nossa hipoderme.

Pelo meio, os obstáculos. Sozinhos, sempre, fomos acreditando com todas as forças e lutando com aquelas que pensávamos ser as nossas armas: dedicação, sacrifício e um companheirismo constante e incondicional. Fomos os pilares de algo que se projectou como imperial e que, graças a nós, sobreviveu com dignidade e visão de futuro promissor. Confiámos, brincámos, ajudámo-nos. Alimentámos discussões e ideais. Vimos chegar e vimos partir. Acolhemos melhor do que soubemos dizer adeus.

Hoje, chegou a nossa vez. Sem dramas nem euforias, levamos ao peito a nostalgia e a esperança. Ao pensamento já chegou a libertação de compromissos assumidos que se revelaram castradores de alguma liberdade. Fica a certeza de que faríamos tudo exactamente igual ou até tentaríamos fazer melhor. Projectamos a esperança de conseguir conservar esse espírito até ao limite, até que nos seja permitido.

A motivação não é mais do que o reflexo positivo ou negativo que algo nos suscita. Neste momento, sinto orgulho pelo legado que levo comigo, fruto de contrariedades contornadas, empenhos desvalorizados, mas acima de tudo: aprendizagens com pessoas, cuja maneira de ser e/ou de estar nos surpreenderam. É bom saber que chegaram até nós através de palavras confidenciadas a pretexto de uma entrevista e permitiram que, em troca, as perpetuássemos no papel.

Conversas com pequenos e velhos, sorrisos trocados com colegas, entre outros momentos significativos revertem-se agora em nostalgia revisitada. Cá dentro suspira também alguma tristeza pelo término de mais um ciclo, que proporcionou a vivência de uma experiência interessante.

Na hora de empacotar aquilo que é nosso, muito fica daquilo que de mais íntimo nos pertence. Fica o exemplo da nossa força de colectivo, que acabou por se ir desvanecendo. Permanece o eco das gargalhadas, sobretudo isso.

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