Perdas

03:15

Quando gostamos verdadeiramente de alguém, temos um medo enorme de perder. E só perante a possibilidade de tal acontecer, sentimos náuseas. Quando há situações em que é eminentemente perigoso que isso aconteça, entramos em pânico e quando acontece de facto, sentimo-nos à beira do desespero, completamente desorientados, com os pilares do nosso mundo fracturados.

Quando a pessoa que dormiu ao teu lado, os últimos 25 anos da sua vida, fecha os olhos encostada ao teu peito, e tu percebes que nunca mais os abrirá, a vida é demasiado cruel. O acto de ainda conseguir respirar é quase injurioso.

Quando a pessoa que, todos os dias, chegava ao trabalho com um sorriso matinal (e o envergava até ao final da tarde) deixa de aparecer por aquela porta, porque mudou de cidade, é muito difícil aceitar que haja alguém que possa vir a ocupar o seu lugar. No rastro da ausência preenchida por uma presença desconhecida milita a tristeza que não se dá a conhecer.

Quando a pessoa que, a todas as horas, estava disponível para ouvir as nossas conquistas e secar as nossas lágrimas, deixa de ter todo o tempo do mundo para nós, parece-nos tremendamente injusto e reagimos mal. Evitamos até os contactos possíveis, porque ficamos magoados.

Quando a pessoa que, todas as semanas, convidavas para passear e ir ao cinema, vai para o outro lado do planeta, lamentaste-te e reclamas que não vais encontrar melhor companhia. Quando a pessoa que embalaste tantas noites no teu colo, cresce e segue a sua vida, a alegria começa a esmorecer para ti. Quando a pessoa que tu amas é a mesma pessoa que vais perder amanhã e tu não sabes, acreditas que és feliz e que ninguém te poderá impedir de zelar por esse privilégio da existência humana, mas acabarás por te sentir um farrapo quando acabar assim, repentinamente.

Sempre que o imprevisto acontece, que o inevitável que recusamos ver ou que não podemos prever surte efeito, deixamo-nos cair, sem procurar saber se algo vai suster o movimento descendente ou se alguém nos vai amparar. Nada mais parece ter sentido, uma parte em nós acabou e dali para a frente já não nos pertence o que julgávamos eternizado e imune às fragilidades do tempo. Desejamos sofregamente uma solução para não perder quem gostamos quando não depende de nós, mas isso é das poucas coisas realmente impossíveis.

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