Teimosias vs tenacidades

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Desde pequeno que lhe apontavam a teimosia e a inflexibilidade na atitude. Cresceu cultivando isso. Sem arrependimentos. Com ar altivo, seguia as suas convicções, mesmo que lhe provassem que eram feitas de areia fina. Não tolerava insinuações, raciocínios falaciosos e sorrisos postiços. Mas acabaria por lidar com tudo isso, tenazmente.

Conseguia nortear a vida, sem permitir que a consciência se intrometesse. Todos gravitavam à sua volta, sedentos de lhe roubarem a energia que parecia insaciável. Despendia-lhes o tempo, a atenção, resquícios de ternura. Ludibriavam-no, então, com palavras pomposas, cheias de sentimento vão. Enganavam-no com abraços apertados na força, mas esvaziados de emoção. Nada disso lhe escapava.

Um dia, cansou-se de vestir a capa do bom samaritano, do juiz de linha justo. Despediu-se desse mundo de holofotes toscos, dos pseudo-mediáticos e das superficialidades bajuladas e, de alma despedida, regressou às origens. Veio por si, sem influências ou necessidades prementes. Quis recuperar a tempo o que tinha abdicado voluntariamente. Pois, no esforço que exigia conciliar, foi mais fácil abrir mão.

Numa dessas tardes mornas, com o riacho a arrastar-se pelo ermo, percebeu que a sua vida não passava de uma biblioteca empoeirada, com janelas altas e engradadas, reposteiros sóbrios corridos, livros espalhados pelas prateleiras e um ou outro caído no chão. Havia tantos relacionamentos por catalogar, por reciclar, por devolver, por contar, por retomar.

Quis entregar-se à tarefa de organizar (com vagar e com tino) esse índice colossal, mas faltou-lhe a tenacidade em passar a vontade do rascunho a documento final. E, por isso, vagueia pelas tardes mornas, devorando-as como um insípido manjar celestial.

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