(I)mobilidades

17:58

Sigo, confortável, ao volante, neste domingo que cheira a Verão. Eles cruzam-se comigo. Vejo-os pelo vidro da frente, pelos laterais e até pelos espelhos retrovisores.

Em todo o percurso, eram eles que davam movimento às ruas da cidade. Senti-me solidária com aquele esforço. Recordei o meu.

Pelos passeios estreitos, caminhavam em passos acelerados, com sacos carregados e de computador portátil a tiracolo. Os rostos transpiraram, extenuados.

Uns regressam, desejosos de se livrar do peso da bagagem e atirar-se para o sofá, sem arrumar nada. Outros partem, ansiosos por voltar à terra, à casa, à vida anterior, à pressa de desfazer a mala.

As viagens são sempre convites inadiáveis para repensar opções, para perceber o sentido das coisas, para medir os percursos traçados, para nos deixarmos envolver pelo que largámos e pelo que nos espera.

Lembro-me bem: o frenesim começava cedo. Ao almoço em família seguia-se a urgência de preparar a partida. Era a indecisão da roupa, os mimos gastronómicos, os livros e as fotocópias que não tinham saído da mochila, os esquecimentos de última hora.

Os autocarros emparelhados e as pessoas a ultimar as despedidas. Chegava, quase sempre, em cima da hora e entrava de imediato. Escolhia o mesmo banco, junto à janela. Afinal, era quase como se me pertencesse. E ficava a observar as expressões de quem ali ficava até perder o alcance visual.


Era curioso ver a apreensão dos pais, as lágrimas da namorada, os sorrisos do grupo de amigos, os acenos e as posturas imóveis. Essas intrigavam-me. Não conseguia descortinar nem a razão porque ali estavam nem o que estariam a sentir.

Então, percebia que podiam ser o meu reflexo. Arrancava sem me questionar, sem me permitir sentir saudades ou vontade de ir. A meio do caminho, o sono era interrompido para me lembrar que ainda faltavam cinco dias para fazer a viagem em sentido contrário.

À chegada, desejava não ter que sair ali, naquela cidade tétrica, de gente aborrecida e pombas armadas em peões da calçada. Puxava o saco e amaldiçoava o peso, ou talvez só reclamasse daquele que levava na alma. Descia e subia ruas, sem alento, com impaciência para chegar a casa. 

Abandonadas essas viagens, sabe-me bem partir com liberdade, de espírito sereno e sem maldizer o quanto custa carregar os pertences. Pois, na mais profunda das imobilidades, reina essa necessidade de repensar opções, perceber o sentido das coisas, medir os percursos traçados, envolver pelo que largo e pelo que me espera.

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