Na indústria do Encantamento

10:25

Os 365 dias do calendário eram passados naquele pequeno lugar que ladeava o seu universo encantado. De manhã, bem cedo, rodava a chave na fechadura e empurrava a porta que o atirava para o mundo dos brinquedos. Aí permanecia até ao anoitecer, envolvido por embalagens coloridas que protegiam os sorrisos de plástico que o abraçavam invariavelmente afáveis. Quem entrava e saia, era brindado dessa mesma forma, independentemente do tempo ou da atenção que lhes dirigissem.

Enquanto ajeitava os brinquedos e os distribuía pela ala feminina e pela ala masculina, despertava em si uma qualquer memória. Fosse o carro telecomendado a simbolizar a evolução do carrinho de linhas com que ocupou muitas horas da sua infância ou os carrinhos de rolamentos que construiu na adolescência. Fosse a barbie na sua faceta de princesa a recuperar o enorme sorriso da primeira filha junto da árvore de Natal, nesse longínquo ano em que completava metade de uma década de existência. 

Ali, havia uma vasta gama de carrinhos em miniatura, capazes de velocidades vertiginosas quando tomados por pequenas mãos; castelos e quartéis da Playmobil; os versáteis Transformers e, nas filas mais altas, os já ultrapassados Pókemon e as velhinhas Tartarugas Ninja. Não faltavam os tons cor-de-rosa: os famosos nenucos, o carro e a casa com piscina da Barbie, o namorado Ken com um novo corte de cabelo, as bonecas-mãe que ora embalavam os filhos, ora vestiam o avental para lidar com os tachos.

Ele estendia, cuidadosamente, o papel de embrulho sobre o balcão para evitar delongas. Por vezes, o cabelo grisalho caía-lhe sobre a testa. Entre recortes e fitas, alimentava-se de imaginar a alegria nos olhos de tamanho S quando rasgassem o papel. Com um sorriso entre a timidez e a meiguice, cumprimentava quem chegava com ideias de escolher o presente ideal para os catraios ou os mais pequenos que, depois de espreitar pelo vidro, puxavam as mãos dos pais e os arrastavam até aos objectos do seu desejo.

Agora, cheira a Natal na rua. Mesmo que a rua fique deserta, continua a cheirar a Natal, porque há uma árvore luminosa que pisca incessantemente para lembrar que o frio faz querer uma lareira por perto. E, enquanto a lenha crepita, as prendas acotovelam-se debaixo da árvore de Natal. Perante o entusiasmo infantil, assoma-se essa vontade de regressar ao mundo em que se imaginava como seria ser grande, ao mundo que saltitava indiferente à inevitabilidade de se crescer.

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