Enquanto se espera pelo autocarro
04:39Há situações pontuais que acabam por fazer com que o teu final de dia seja desagradável. Irritada! Foi assim que fiquei quando, convencida de todo que o meu autocarro partia dentro de um quarto de hora, me dirijo ao senhor de testa calva e alguns cabelos brancos - o vulto habitual da bilheteira - que me informa: “houve uma alteração de horários”, e tenta amenizar a situação com um sorriso que ainda me deixou mais irritada.
É uma falta de consideração alterarem assim, de modo inesperado e arbitrário, num curto espaço de tempo como seja uma semana, horários que as pessoas contam à partida que estejam correctos nos folhetos que possuem. De facto, neste momento parece-me que o responsável disto é tudo menos responsável… Não se preocupou em saber os eventuais, mas prováveis, constrangimentos que isto ia causar às pessoas. A verdade é que classifico isto como um acto de grande inconsequência e até inconsciência. No entanto, há que aproveitar o tempo de espera de alguma forma…
A cadeira onde me sento é gémea de outras que se alinham encostadas à parede de um verde desmaiado. A cadeira é desconfortável e o material que entra na sua composição é um plástico castanho encardido.
Do meu lado direito, a menos de três metros, é o WC feminino e masculino, que só das suas portas se entreabrirem se percebe as condições de higiene que as caracterizam. As lâmpadas florescentes da garagem esforçam-se por iluminar eficazmente o espaço, mas apenas emitem uma luz fraca que cansa a vista.
Chegam autocarros. Manobras complicadas para estacionar os veículos de uma dimensão considerável. Um homenzito barrigudo e baixo gesticula dando instruções ao condutor, ora alertando-o para os ângulos que os espelhos retrovisores não captam, ora avisando-o de perspectivas bem calculadas. Desligam-se os motores. Saem as pessoas ansiosas e frenéticas. Precipitam-se para a bagageira à procura dos seus haveres pessoais. Depois há uma falta de civismo enervante: à pressa para se apoderarem do que é seu e escaparem à confusão por elas próprias criadas, atiram com os bens dos outros para o chão ou para o lado oposto da bagageira. Não me causava qualquer tipo de reacção se batessem com a cabeça na porta da mala, porque, talvez só assim, com uma dor acidental percebessem o quão importante é respeitar o que é alheio.
Sentam-se pessoas ao meu lado que igualmente aguardam o autocarro que as transportará ao seu destino. Para entreter o tempo, mandam sms’s, comem qualquer coisa, observam atentas, lêem abstraídas, reclamam entre dentes com qualquer contrariedade, impacientam-se com o lento passar do tempo.
Um condutor, com uma expressão de cansaço estampada no rosto, camisa suada e barriga proeminente, bate a porta do autocarro. Sabe que tem direito a uma breve pausa antes de outra viagem.
Outro autocarro que se prepara para se fazer à estrada. As pessoas apinham-se com a pressa de serem as primeiras a entrar. Pneus preguiçosos rolam e esmagam as areias do chão da garagem, que já tem algumas falhas do cimento original. Travões que chiam, reprimindo uma velocidade que ameaça tornar-se perigosa na paragem ou no arranque.
Jovens, de mochilas às costas, postura descontraída, headphones a ritmar o compasso de espera, riem de nem sabem bem o quê. Uma mulher carregada de consumismo empacotado em sacos de lojas de marcas consagradas corre para ver se ainda consegue apanhar o autocarro que está prestes a sair. Quando volta das bilheteiras, já o autocarro partiu. É estas situações que me revoltam: a incompreensão de alguns condutores, para quem tolerar uns minutos de atraso de alguém compromete seriamente o rigor das horas a que pretendem chegar e que deveriam chegar, mas que, de facto, nunca chegam…
Fumo espesso de um cano de escape diminui a já reduzida qualidade do ar que se respira neste espaço pouco aprazível. Um miúdo de mãos sujas come bolachas, tranquilo e guloso, até que a mãe o arranca desse subtil manjar dos deuses ao berrar por ele. Assustado ou a gozar, o miúdo nem reage, ou seja, a mãe tem que arrastá-lo até ao autocarro em explicações e desatinos, como se as crianças tivessem que perceber as lógicas estranhas dos adultos.
Há carros à espera de quem chega e taxistas que trazem quem vai partir. Já no autocarro, o garoto de há bocado espreita pela janela como se aquilo fosse novo para ele, uma expressão de alegria espontânea, ainda que todos os dias, à mesma hora, rotineiramente, o miúdo e a mãe façam o mesmo percurso.
Assisto a algumas saudações contidas de um regresso esperado, é a saciedade da presença. Também daqui, desta cadeira desconfortável, testemunho um abraço sentido de quem se despede por pouco tempo.
Realmente, as despedidas é o que mais custa em qualquer partida, em uma qualquer viagem, é deixar o se quer, o que se tem, por algo que nos faz falta, é necessário ir atrás de algo mais que desejamos. Podemos dizer “até um dia”, mas nunca “adeus”. Quem viaja em autocarros em viagens de longa distância sabe o que significa. E nunca os autocarros são pontuais nas chegadas…
Bem a hora da minha partida aproxima-se e vou terminar por aqui esta descrição de um cenário que, já há dois anos, me é familiar todas (ou quase todas) a semanas.
É uma falta de consideração alterarem assim, de modo inesperado e arbitrário, num curto espaço de tempo como seja uma semana, horários que as pessoas contam à partida que estejam correctos nos folhetos que possuem. De facto, neste momento parece-me que o responsável disto é tudo menos responsável… Não se preocupou em saber os eventuais, mas prováveis, constrangimentos que isto ia causar às pessoas. A verdade é que classifico isto como um acto de grande inconsequência e até inconsciência. No entanto, há que aproveitar o tempo de espera de alguma forma…
A cadeira onde me sento é gémea de outras que se alinham encostadas à parede de um verde desmaiado. A cadeira é desconfortável e o material que entra na sua composição é um plástico castanho encardido.
Do meu lado direito, a menos de três metros, é o WC feminino e masculino, que só das suas portas se entreabrirem se percebe as condições de higiene que as caracterizam. As lâmpadas florescentes da garagem esforçam-se por iluminar eficazmente o espaço, mas apenas emitem uma luz fraca que cansa a vista.
Chegam autocarros. Manobras complicadas para estacionar os veículos de uma dimensão considerável. Um homenzito barrigudo e baixo gesticula dando instruções ao condutor, ora alertando-o para os ângulos que os espelhos retrovisores não captam, ora avisando-o de perspectivas bem calculadas. Desligam-se os motores. Saem as pessoas ansiosas e frenéticas. Precipitam-se para a bagageira à procura dos seus haveres pessoais. Depois há uma falta de civismo enervante: à pressa para se apoderarem do que é seu e escaparem à confusão por elas próprias criadas, atiram com os bens dos outros para o chão ou para o lado oposto da bagageira. Não me causava qualquer tipo de reacção se batessem com a cabeça na porta da mala, porque, talvez só assim, com uma dor acidental percebessem o quão importante é respeitar o que é alheio.
Sentam-se pessoas ao meu lado que igualmente aguardam o autocarro que as transportará ao seu destino. Para entreter o tempo, mandam sms’s, comem qualquer coisa, observam atentas, lêem abstraídas, reclamam entre dentes com qualquer contrariedade, impacientam-se com o lento passar do tempo.
Um condutor, com uma expressão de cansaço estampada no rosto, camisa suada e barriga proeminente, bate a porta do autocarro. Sabe que tem direito a uma breve pausa antes de outra viagem.
Outro autocarro que se prepara para se fazer à estrada. As pessoas apinham-se com a pressa de serem as primeiras a entrar. Pneus preguiçosos rolam e esmagam as areias do chão da garagem, que já tem algumas falhas do cimento original. Travões que chiam, reprimindo uma velocidade que ameaça tornar-se perigosa na paragem ou no arranque.
Jovens, de mochilas às costas, postura descontraída, headphones a ritmar o compasso de espera, riem de nem sabem bem o quê. Uma mulher carregada de consumismo empacotado em sacos de lojas de marcas consagradas corre para ver se ainda consegue apanhar o autocarro que está prestes a sair. Quando volta das bilheteiras, já o autocarro partiu. É estas situações que me revoltam: a incompreensão de alguns condutores, para quem tolerar uns minutos de atraso de alguém compromete seriamente o rigor das horas a que pretendem chegar e que deveriam chegar, mas que, de facto, nunca chegam…
Fumo espesso de um cano de escape diminui a já reduzida qualidade do ar que se respira neste espaço pouco aprazível. Um miúdo de mãos sujas come bolachas, tranquilo e guloso, até que a mãe o arranca desse subtil manjar dos deuses ao berrar por ele. Assustado ou a gozar, o miúdo nem reage, ou seja, a mãe tem que arrastá-lo até ao autocarro em explicações e desatinos, como se as crianças tivessem que perceber as lógicas estranhas dos adultos.
Há carros à espera de quem chega e taxistas que trazem quem vai partir. Já no autocarro, o garoto de há bocado espreita pela janela como se aquilo fosse novo para ele, uma expressão de alegria espontânea, ainda que todos os dias, à mesma hora, rotineiramente, o miúdo e a mãe façam o mesmo percurso.
Assisto a algumas saudações contidas de um regresso esperado, é a saciedade da presença. Também daqui, desta cadeira desconfortável, testemunho um abraço sentido de quem se despede por pouco tempo.
Realmente, as despedidas é o que mais custa em qualquer partida, em uma qualquer viagem, é deixar o se quer, o que se tem, por algo que nos faz falta, é necessário ir atrás de algo mais que desejamos. Podemos dizer “até um dia”, mas nunca “adeus”. Quem viaja em autocarros em viagens de longa distância sabe o que significa. E nunca os autocarros são pontuais nas chegadas…
Bem a hora da minha partida aproxima-se e vou terminar por aqui esta descrição de um cenário que, já há dois anos, me é familiar todas (ou quase todas) a semanas.
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