Lado errado

16:17

Às vezes há palavras que nos ficam na memória: incisivas e incontestáveis. Foi o que aconteceu recentemente. “Porque nós olhamos sempre para o lado errado”. Claro que o contexto era muito diferente daquele em que acabei por as envolver.
Fiquei a pensar naquela afirmação e encontrei nela uma verdade quase impalpável: escapa-nos sempre o essencial porque vemos primeiro o lado errado. De facto, quando olhamos é como se o nosso sub-consciente estivesse domesticado para ver sempre o lado errado das situações, dos objectos, das pessoas, das intenções. Temos uma quase tendência inata para o engano, e nem todas as aprendizagens que a sociedade nos obriga a fazer, desde que nascemos, conseguem inverter essa atracção pelo equívoco. Tantas vezes preferimos olhar para o lado errado para nos reservarmos da verdade.
Preferimos ver a olhar. Preferimos acusar a escutar. Preferimos gritar a falar. Preferimos correr a caminhar. Preferimos sofrer por desilusão a lutar pela realidade que nos pertence. Preferimos desviar-nos do que interessa para nos concentrarmos no que não nos satisfaz. Preferimos esconder as lágrimas a pedir um ombro. Preferimos ter orgulho em errar consecutivamente a usar a humildade para reconhecer os nossos erros. Preferimos sair do jogo a felicitar o adversário pela vitória. Preferimos olhar para quem nos fala a olhá-lo nos olhos enquanto o ouvimos. Preferimos insultar a saber perdoar. Preferimos ignorar a tomar atenção. Preferimos ver o lado errado a olhar para o lado certo.
E talvez a sedutora imperfeição humana se resuma a olharmos sempre para o lado errado… Mas eu defendo que, embora muito raramente, há momentos de plena perfeição quando alguém insiste em olhar não para o lado errado.

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