Uma breve dissertação…

16:01

“– Os moralistas tentam convencer-nos de que o instinto sexual não tem muita relação com o amor. Referem-se a isso como se fosse um epifenómeno. (…) Pois bem, há psicólogos que acham que o estado consciente acompanha o trabalho do cérebro e é por ele determinado, sem no entanto exercer nenhuma influência sobre ele. Mais ou menos como o reflexo de uma árvore na água; não poderia existir sem a árvore, mas em nada afecta essa árvore. Acho uma enorme tolice dizer-se que pode existir amor sem paixão; as pessoas que afirmam que o amor pode perdurar depois de esgotada a paixão, referem-se a outro sentimento, afeição, bondade, comunhão de gostos e interesses, hábito. Principalmente, hábito. Duas pessoas podem continuar a ter relações sexuais por hábito, assim como têm fome à hora a que costumam ter as refeições. Claro que pode haver desejo sem amor. Desejo não é paixão. O desejo é a consequência natural do instinto sexual e não tem maior importância do que qualquer outra função animal. É por isso que as mulheres são umas tolas ao fazerem um escarcéu quando os maridos de vez em quando saltam o muro, quando a ocasião e o lugar são propícios.
– Isso aplica-se somente aos homens?
Sorri.
– Se insistir, serei obrigado a confessar que o que serve para um serve para o outro. O único argumento contra é que, para o homem, uma ligação passageira não tem nenhum significado sentimental, ao passo que, para a mulher, tem.
– Depende da mulher.
Não podia consentir a interrupção.
– A não ser que o amor seja paixão, não é amor, é outro sentimento; e a paixão não aumenta com a satisfação e sim com a dificuldade. (…) A paixão não mede as consequências. Pascal disse que o coração tem razões que a razão desconhece. Se é que o interpretei bem, queria dizer que, quando a paixão se apodera de um coração, este inventa, para provar que pelo amor todo o sacrifício é pouco, razões não somente plausíveis, mas elucidativas. Ficamos convencidos de que vale a pena aceitar a desonra, e que a vergonha não é preço exagerado para se pagar por ele. A paixão é destruidora. Destruiu António e Cleópatra, Tristão e Isolda, Parnell e Kitty O’Shea. E, quando não destrói, morre. É possível que então a pessoa se veja na amarga contingência de reconhecer que desperdiçou anos de vida, que se desgraçou inutilmente, que sofreu a tortura do ciúme, engoliu toda a espécie de humilhações, deu a sua ternura, as riquezas da sua alma a um ser insignificante, idiota, um cabide onde dependurou os seus sonhos, e que não valia absolutamente nada.”

W. Somerset Maugham in “O Fio da Navalha

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