Gritos mudos não chamam à atenção

15:29

«A Violência contra as Mulheres é talvez a mais vergonhosa violação dos direitos humanos. Não conhece fronteiras geográficas, culturais ou de riqueza. Enquanto se mantiver, não poderemos afirmar que fizemos verdadeiros progressos em direcção à igualdade, ao desenvolvimento e à paz.» Estas palavras de Kofi Annan, Secretário Geral das Nações Unidas, são o espelho da realidade contemporânea. A violência doméstica continua a existir e é um facto incontornável que põe em causa a verdadeira dignificação da condição humana. As crianças, os idosos e as mulheres acabam por ser as vítimas preferenciais dos agressores, fundamentalmente por dois motivos: não têm muita capacidade de resistência física e os seus níveis de sensibilidade psicológica contribuem para que tenham carácteres bastante dúcteis.

O principal entrave em contabilizar e perceber a dimensão real deste problema prende-se com o facto dos actos de violência ocorrerem no seio da família. As vítimas de maus-tratos, tendencialmente, protegem os seus agressores por uma questão de pudor, de respeito, de amor, de vergonha, de medo. Em prol de uma estabilidade familiar, mantém-se, a todo o custo, as aparências, escondendo uma realidade triste que é transversal a toda a sociedade. Em nome de um amor, abdica-se do direito à liberdade pessoal de agir, pensar e sentir. Em homenagem a um respeito mútuo perdido, continua-se a tolerar dia após dia, numa sucessão de anos em que impera o silêncio e não se assume a infelicidade. As ameaças e as humilhações são acatadas pelas vítimas, que as deixam acontecer uma, duas, três vezes até que perdem a coragem de denunciá-las.

Os maus tratos mais frequentes (e também os que são do menor conhecimento do público) são aqueles que se processam de uma forma discreta como os de âmbito moral. A atitude das autoridades nem sempre é aquela que inspira mais confiança às vítimas e as associações que lutam por defender os direitos das vítimas de violência doméstica nem sempre têm meios para concretizar as suas campanhas de sensibilização, acabando por lograr, uma vez que não conseguem incutir na mentalidade das pessoas a necessidade de denunciarem este tipo de crimes contra a natureza humana.

As agressões físicas, apesar de visíveis, são muitas vezes justificadas por outros argumentos e praticamente ninguém quer efectivamente saber se a pessoa está a dizer a verdade, porque confirmar a versão dos factos não é da conta de terceiros. Ao longo dos tempos sempre houve violência doméstica dentro de quadro paredes e, na generalidade dos casos, as quatro paredes contíguas mantiveram-se indiferentes ao assunto. Pode-se desconfiar do que se passa, mas muito raramente se corre o risco de fazer alguma coisa.

A prepotência daqueles que infligem maus-tratos nem sempre é devidamente punida pela lei. Se entendermos os maus tratos como qualquer forma de agressão física e/ou moral, percebe-se facilmente que continua a haver falta de respeito entre pessoas de uma mesma família e que o lema da igualdade não passa de um mito consagrado na maioria das constituições dos estados contemporâneos. A Constituição da República Portuguesa garante a igualdade de direitos e deveres de homens e mulheres; o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos direitos; o direito à integridade física e moral e a igualdade no casamento. Mas de que adianta garantir se, mesmo verificando-se que estas leis não são cumpridas, se menospreza o facto de a violência doméstica continuar a existir? A violência doméstica dificilmente deixará de ser uma realidade “camuflada” sobretudo porque, ainda hoje, há um enorme pudor em assumir o que de errado se passa em cada família.

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