Andar à boleia

04:22

Hoje não vou no lado do condutor, por isso a minha atenção volta-se para o que passa no vidro do meu lado direito. As casas sucedem-se, variam entre o luxo discreto e a extravagância modesta. O seu tamanho vai aumentando e diminuindo à medida que nos aproximamos ou nos afastamos, respectivamente. As pessoas quedam-se estáticas, a Natureza permanece inerte e parece que só o carro se movimenta.

A velocidade da vida poderia ser medida como o deslizar de um carro pela estrada. Para se desviar de perigos, abranda. Quando pressentimos o perigo na vida abrandamos ou paramos. Para fazer um curva, trava um pouco antes e retoma a velocidade posteriormente. Quando queremos contornar os obstáculos, fazemos o mesmo: primeiro procuramos soluções e depois avançamos com a certeza de sermos capazes de os contornar. Para ultrapassar, assinala (ou não) a manobra. Na vida, fazemos o mesmo para mostrar aos outros que decidimos correr riscos, que tomamos uma atitude diferente que tem potencial para nos impulsionar para a frente. Para sair de um beco sem saída, faz inversão de marcha. Da mesma forma nós, quando nos deparamos com situações que não nos levam a lado nenhum, recuamos e tomamos uma nova direcção.

Com o carro em andamento, gosto de observar em silêncio o que vejo. Não gosto de perturbações nestes olhares atentos. Quero apenas ouvir o silêncio que me afasta para longe sem sentir que a presença da pessoa que vai ao meu lado se arrasta comigo. Há uma brisa que refresca o ambiente e há as luzes que começam a apagar a escuridão da noite.

Gosto de ver as fábricas descansadas no crepúsculo. Os carros estacionados em frente aos apartamentos mostra que, a esta hora, há muitos corações aquecidos pelo calor familiar dos lares, outros encontrarão a solidão das paredes desabitadas.

São as memórias de paisagens, de terras despovoadas, de aglomerados urbanos onde proliferam prédios altíssimos como peças num tabuleiro de xadrez, que revivem de cada vez que ando à boleia, pois aquilo que vejo me recorda algo que já vi, seja por associações de similaridade ou de dissemelhança. Sempre gostei muito de andar de carro. Ultimamente mais habituada a prestar atenção aos outros utentes da estrada, aos peões, aos sinais e às regras, deixo de olhar pela janela com uma predisposição contemplativa e meditativa.

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