Nessa rua que não é tua

09:16

Fazes dessa parede, o mural de sonhos por viver. Estendes a mantinha que te desprotege do frio do dia. Vejo a tua mão suja, contrastante com a alvura do teu rosto de traços infantis. Nessa rua que não é tua somas dias iguais. Dias de esperanças dormentes.
A mesma postura, a mesma súplica, a mesma indiferença dos que passam por ti e olham com repugnância. A sociedade vota-te a um ostracismo que é aplaudido pela maioria dos mesmos que apregoam ideais de tolerância, de respeito pela diferença. Não entendes o que dizem. Afinal a ti só te interessa os gestos de carinho que são universais.
Enquanto te olho vagamente, a pessoa que sorve o café à minha frente continua a falar ininterruptamente, sem perceber que não lhe estou a prestar a mínima atenção ou talvez até perceba mas é-lhe igual. Tu juntas as mãos para aquecer os dedos magros. Esta mulher, que não se cala, tem os dedos suados de tanto gesticular durante o tempo em que fala. Tu não dizes uma palavra. Permaneces de boca fechada, num rosto triste.
Talvez se passasse uma pessoa que te olhasse nos olhos (embora com pena, mas sem nojo!), talvez isso te fizesse sorrir... Mas, como saber?
O empregado aproxima-se e recolhe os trocos, saímos e deixo-me levar, arrastada por uma conversa fútil e interminável. Por isso, desvio os olhos da coragem frágil do teu olhar. Já de costas voltadas, a rumar noutra direcção, peço que hoje não chova, para não molhar os sonhos que penduras na parede defronte da loja multicolor. E, quando voltar a passar nessa rua transbordante de gente comum, hei-de procurar-te nessa rua, que desejo que não seja tua por muito mais tempo.

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