Esta tarde

04:07

A tarde de hoje vai ser exigente. Esperam-me pessoas ansiosas por me contar tudo o que fizeram nessa longa viagem, que testemunhei do porto de embarque. Não fiquei no cais a dizer adeus nem a vê-los partir, pois quem viaja acaba sempre por voltar com mais riqueza interior na bagagem do que quem fica. Eu que fiquei por cá, já revisitei mais do que uma vez os mesmos sítios, já nada constitui grande novidade para mim. Apetece-me demorar a manhã…

Vou ter que ser um pouco mais forte e aguentar o desenrolar das histórias contadas com nostalgia, da emoção vivida a cada imprevisto, das aventuras concretizadas. Custa perceber que essas novidades não são tão interessantes assim? Sim se eu fosse um dos narradores participantes provavelmente não me preocuparia...

Vão querer saber o que fiz por cá e que aplauda entusiasticamente o que eles fizeram por lá. Vou responder que não fiz nada de especial (sabendo eles que o especial, para mim, acontece de cada vez que junto ao meu dia um episódio simples e banal, no qual poucos reparam mas que para mim tem algum impacto) e contarei algumas das histórias que forem menos aborrecidas, só a título de desviar a sua atenção. Vou deixar o que, de facto, foi verdadeiramente importante para mim, afinal também tenho direito a não vos expor tudo. Se calhar é desonesto da minha parte, mas não quero partilhar o meu tesouro. Sei que vocês não são os piratas que devo temer, contudo quero manter isso só para mim.

Do vosso rol de experiências, o estranho é que tenha sido tão positivo. Acabo por responder na mesma moeda, embora seleccione do meu reduzido leque o que de melhor aconteceu. Embora com a consciência de que quanto maior é a meta que se alcança, maior é também o sofrimento inerente à luta que se levou a cabo, omito as minhas batalhas.

Envolvida no meu secretismo ambíguo, acumulo os vossos múltiplos relatos, em versões diferentes, armazenados no mesmo formato. Amanhã vou lembrar-me apenas de dois ou três pormenores para não pensarem que apaguei tudo. Quando me dizem “eu contei-te” não podem esperar que eu recorde tudo. Eu não sou o arquivo municipal de todos os detalhes relevantes dos percursos biográficos de cada um.

Desta vez, fiquei contente por não ter partido convosco, é que algo de bom chegou entretanto. Porque quem fica, quem não quer ou não pode viajar, pode conhecer também novos locais que são trazidos na mala de alguém que chega até nós como ponto de destino. Não esqueço que não viajei por saber que, á partida, algo iria chegar e eu deveria esperar com a firme certeza de que ia valer a pena e não é que valeu mesmo? Estou contente e, simultaneamente, desejosa que esta tarde seja breve, muito breve, o mais breve possível.

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