Umas palavras para ti...

08:49

Queria escrever-te algo com os olhos de antes, mas a caneta escapa-se para o estatuto que agora tens para mim e isso, naturalmente, exige um distanciamento que já não é forçado. Forçado é aquilo que me tento obrigar a fazer, ver-te com o encantamento de antes, admirar todo o teu ser como antes, sugar a tua alma como antes. Mas, hoje, que já me alimentaste o suficiente, sinto-me esfomeada por novas almas, com sede de saciar a minha curiosidade e a minha necessidade do outro em outras pessoas que não tu. Pois para mim já não constituis a novidade, o estranho, o diferente. Deste-te a conhecer depressa de mais e eu cansei-me de ti, ou talvez até tenha sido eu, que com pressa de te conhecer revelei uma perspicácia e sagacidade que desconhecia.

Caramba, eu queria mesmo escrever algo que antes vinha ditado do coração, mas agora parece que ele se recusa a colaborar naquilo que não serão mais do que meia dúzia de palavras que vais ler a correr e que, embora não lhes dediques a contemplação de antes, ainda te vão ocupar o pensamento durante um tempo longo (e já se desejava que não fosse assim). Sei que quando é o sentimento que me dita as palavras que escrevo, o sentido das palavras extrapola um discurso literal. Não, não pretendo remeter-te para interpretações profundas, pois receio que o que vais encontrar por lá já não seja mais do que um tecido fino, danificado ao centro por um grande buraco que tende a aumentar se for pressionado nesse sentido.

Desta metáfora espero que percebas o meu conselho. Não dá para remendar o buraco com linhas de empatia que são difíceis de enfiar na agulha da honestidade pessoal. Mesmo que ainda fossem dados uns pontos nesse remendo, ficariam sempre imperfeições e debilidades. Não quero que tentes refazer o tecido, pensa que talvez até possa vir a estar um dia na moda das relações sociais. O tecido somos eu e tu, com as nossas histórias partilhadas, contudo existe aquele espaço que nos afasta e que ao mesmo tempo protege os nossos egos da intromissão mútua. Quando te digo que não tentes remendar é precisamente para não fazeres incursões nesse sentido, porque às tantas, como o tecido é fino, pode ressentir-se das pressões e acabar mesmo por se rasgar, separando de uma vez tudo aquilo que já não é meu e tudo aquilo que era de ti e já não me pertence. Portanto, não vale a pena forçar aquilo que, no curso natural das coisas, está previsto funcionar assim, numa lógica determinista, que à primeira vista parece aleatória.

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