Da noite para a madrugada

04:39

O calor sufoca a noite solitária, enquanto o medo exacerba os desejos reprimidos. A coragem fortalece-se com as derrotas somadas e a motivação esvai-se quando as prioridades passam a ser secundárias. Ouço vozes silenciosas a erguerem-se à luz dos candeeiros enferrujados. Passa um e outro carro espaçadamente, demoradamente. As horas avançam sem esforço e não saem do lugar.

A terra completa um movimento de rotação e eu faço a minha vida girar também sobre si mesma. Esta é apenas mais uma noite ganha no investimento inútil em feito nenhum. As folhas passeiam-me por entre os dedos, sem que as palavras se registem na minha mente com algum significado...

Gosto da meia-noite, do alinhamento dos três zeros. Recordo-me da contagem decrescente para a nossa morte. Sem que possamos prever o tempo que vai demorar, adiamos, dia a dia, a consciência de que chegará. Na rua, junta-se o grupo dos que resume a alegria da existência ao gargalo de uma garrafa. Já ao virar da esquina, desfilam as que do sexo extraem o dinheiro e não o prazer. E nas janelas ainda iluminadas, as mentes amorfas embalam o sono que as levará a um amanhã igual ao de hoje.

Despedidos da noite abafada, os ponteiros do relógio preparam-se para cronometrar a duração da madrugada. Da varanda olho o firmamento desabitado, a rapidez dos homens que recolhem o lixo, o à-vontade dos putos que compram droga, o senhor que vem à janela livrar-se da solidão da velhice, o impudor do casal no banco da praceta, a avareza da moradora que vai com o balde à fonte de água suja. Durante este tempo concentro-me nos outros e, por instantes, esqueço-me de mim.

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