Luz que derrama sombras

10:09

À minha beira, crescem de mansinho. As minhas mãos demoram-se nesse calor que não aquece, procurando um aconchego que não chega. Só consigo percepcionar as sombras que se desprendem dessa luz fraca, constante, familiar. Elas vão-se aproximando, sem medo de rejeições, sem certezas de recepção, sem condições para permanecer. Já estão perto, cada vez mais perto. Por momentos, quero afastar esses vultos que crescem no declinar desta tarde quente.

Conheço algumas (não todas!) formas de caminhar ao lado de alguém. Mesmo que só vejamos sombras distorcidas, vislumbramos uma presença, por mais ténue e vaga que possa parecer. Aborrecia-me quando alguém insistia em mostrar que as sombras só se projectam porque existe uma luz, cuja fonte somos nós quando ainda irradiamos esperanças e ilusões, quando ainda pensamos estar rodeados por pessoas que se preocupam connosco, quando não cobramos rendas aos sonhos que nos habitam. Conformo-me agora, porque sei que essa luz desaparece quando o bem-estar, resultante dessa hiper-realidade por nós criada, se desfaz como o fumo que sobe pela lareira apagada.

Olho para a vela pousada em cima do tampo riscado da mesa. Vejo as canetas coloridas em mãos pequenas e trapalhonas, que primem o papel branco, liso e por preencher. Dobro-me sobre as reminiscências deste sítio e redescubro as pessoas que já não estão aqui. As sombras crescem na parede ao meu lado. Acabam ali, na mesma parede agastada pelo tempo, as forças da sua existência. Não saem daqui, não procuram sair. Basta-lhes este espaço que sabem que voltarei a visitar para encontrar aqui o que me falta fora daqui, fora deste tempo, longe daquele tempo, sem tempo algum afinal.

You Might Also Like

0 apontamentos

Total de visualizações

Procurar no blogue