Nostalgias penduradas num 3º andar

09:07

De novo, o cair da água na fonte a prevalecer sobre o ruído dos carros, que vão passando com menos regularidade. São seis da manhã ou pouco faltará… Não há ainda muita luz. Em breve, será o princípio de mais um dia de trabalho para quem mora na porta em frente. Para mim, sinónimo de poucas horas de descanso.

A praceta vazia, com as luzes pálidas dos candeeiros. A rua estreita, de pessoas desconfiadas e com pressa. Já tinha saudades encaixilhadas disto… Da varanda, vejo quem passa lá baixo.

Observo as janelas fechadas, as cortinas desviadas, os rafeiros que se aproximam do lixo. Fora a rua, também a casa está calma. Já não é a minha, embora a tente sentir como se fosse. Mas a verdade é que ela já não me pertence. Não foram estas as paredes que me fizeram companhia, que testemunharam lágrimas e gargalhadas, que absorveram os silêncios e ecoaram as alegrias.

Hoje percebi que já não pertenço a este lugar. Apesar de sempre me ter recusado a admitir, muito ficou dele em mim. A quietude da casa só para mim… Serenada com o silêncio abismal entre os meus pensamentos cheios e as minhas intenções vãs.

Noites e noites pela madrugada fora. Sem pressas. Apenas com o vagar das insónias desejadas. Mas hoje, neste terceiro andar, sei que não voltarei. A certeza enraíze-se na impossibilidade de conduzir expectativas para becos sem saída.

No último dia, arrumei livros, esferográficas, fotografias, papéis, roupas e outros objectos pessoais que enchiam a casa, e senti uma tristeza por ter que partir. Assustei-me, mas compreendi que, inevitavelmente, quis durante muito tempo partir, e desejei tanto que muitas vezes não questionei porquê.

Da varanda deste terceiro andar vejo um pedaço da minha, e entro em casa, vejo as paredes vazias e sem fragmentos delas em mim.

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