Para lá do Marão…

10:54

Muitos quilómetros de estrada sinuosa e perigosa. Uma via que os outros conhecem pela sinistralidade e que eu conheço melhor por força das assimetrias de um país.

É essa mesma estrada que me leva a um pedaço de mim, aquele que varri para debaixo da consciência. Talvez tenha rumado em busca desse pedaço que lá deixei sem querer. É agora isso que legitima os regressos pontuais.

Chego ao local que, ao longo de meses, me consumiu as ilusões alimentadas durante anos. Relembro, neste fim de tarde escurecida, o entusiasmo, a adrenalina, a convicção e a entrega sentidos no início. Ao intervalo, as imprevisíveis substituições. Entraram em campo apenas a desmotivação e o comodismo. No final deste teste de paciência, o alívio, as certezas e as lições. Jogámos na mesma equipa, mas só fomos aguentando que a derrota inevitável se tornasse mais desastrosa.


Um dos rostos que, dia após dia, passa indiferente a quem por ele passa sorriu-nos. Então, ali, de repente, algo ganhou uma significação a reter. Um cumprimento cordial acabaria por se tornar a única coisa respirável na entrada daquele átrio feito de mármore claro.

Paredes meias com uma exposição de traços confusos, lá estava ele, de sorriso aberto e conversa fácil. Eu e tu fomos entrando, saindo, regressando e desejando não voltar. Finalmente, no derradeiro dia, dissemos um adeus que, no íntimo, prometemos ser definitivo por uns largos tempos.

No outro dia, fui encontrar-me com um amigo e quase, acidentalmente, a ocasião proporcionou uma revelação agradável. Entrei e cumprimentei-o com o registo de sempre. Ele iniciou a conversa com um "como está menina Patrícia?" e isso ter-me-ia bastado. Mas eis que, além do nome, ele ainda se lembrava do lugar de onde vinha. Uma indescritível e secreta alegria cresceu galopante.

Ele conhecia o meu berço adoptivo pelo frio, sentido na única vez que por lá tinha passado, em trabalho. Perguntou-me ainda o que estava a fazer e sorriu satisfeito com a resposta. Notei que ficou contente por ver que consegui sair dali e não virar costas àquilo que envergava quando ali entrei e que, possivelmente, não reparei que ele tinha percebido. Possivelmente, até a mim a sua presença me passou inicialmente muito despercebida. Talvez por causa das esperanças mal direccionadas.

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