Âncoras débeis

18:59

Desembarcámos no mesmo porto desabrigado, colhido pelas tempestades serenas. Regressámos em tempos distintos, ainda que aportados no mesmo estado de espírito. Não tínhamos ninguém à espera para nos abraçar as esperanças de um porvir melhor. Queríamos salvar os sonhos vilipendiados e espezinhados. Trazíamo-los, por isso, agarrados a uma bóia esvaziada.

Não pensávamos em partir para novas paragens, porque tínhamos sido náufragos à deriva, sem farol de ideais ou cartilha de princípios. Tentávamos, em conjunto, recuperar essa velha imagem, em todos os seus pormenores, para a repudiar com todas as forças.

À chegada, tínhamos rugas de desânimo esculpidas no rosto, olhos desmaiados e sorrisos moribundos. As nossas expressões não eram mais do que representações perfeitas da tristeza que mareava em nós. Infelizmente, éramos demasiado transparentes para ocultar esse desalento evidente.

Fomos mercadores de motivações que vendemos ao desbarato, sem sentido nem senso. Até havia algum desespero para nos desfazermos delas. Recusámos as palavras inseguras que os outros nos segredavam em tom receoso. Tomámos o leme da embarcação para chegar aos antípodas deste sítio ao qual, hoje, voltamos por desejo, por necessidade, quase por inevitabilidade.

Espreitámos o mundo na crista das ondas e sentimos, nos músculos molhados e rijos, a sua crueldade, a sua selvajaria, a sua pequenez. Fomos capturados, de surpresa, pelos piratas dos valores. Vendemos a alma que mimámos junto à praia, em dias aprazíveis da época estival, para pagar o resgate.

Atracámos agora e talvez fiquemos assim… Perdidos por entre apontamentos vários que importa transformar em documentos finais, padecendo desse sintoma raro de não sentir ausências ou saudades do que deixámos nessas viagens foragidas.

Graça Morais

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