Empréstimos maternais

18:10

A tarde ensaia uma saída discreta e o portão acinzentado já ficou para trás. Ali, há correria, um crescendo de vozes, risadas em uníssono, mãos pequeninas e bocas lambuzadas. O dia vestiu-se de festa rija e ninguém arreda pé.

Deambulo por ali, desejando ser invisível… Vou-me ficando pelo rasto da nostalgia e, simultaneamente, tento imaginar… Deve ser bom poder tomar conta dos filhos dos outros. Sentirem-lhes o pulso acelerado, quando os prendem pela mão antes de os largarem como pássaros livres num recreio areado. Olharem de cima para as cabecitas desgrenhadas por uma energia incessante. Sorrirem com o coração para retribuir a quem ainda só conhece essa linguagem.

Eles andam em fila e de mãos dadas. Desordeiros, por vezes. Transbordam uma ternura que estremece qualquer sensibilidade. E correm, caem, riem. Os risos vêm mesmo das entranhas, que até arrepiam quem já não o sabe fazer.

Eles cantam, dançam e saltam. Soltam gargalhadas com a mesma insistência com que lhes puxam pela bata aos quadradinhos cor-de-rosa. Eles sabem que haverá um gesto carinhoso, uma advertência moderada, um olhar perscrutador ou tão-somente um sorriso pintado a lápis de cera. Eles sujam-se e desfilam com as nódoas, orgulhosos e senhoriais.



Há música, animação e um cheirinho a batatas fritas de pacote misturado com deliciosos pães-de-leite. Eles têm mãos gordurosas, boca cheia e uma enorme vontade de falar. Elas querem impor-lhes alguns modos, mas eles, matreiros e sobranceiros, atiram-lhes com gargalhadas sonoras.

Percebo, então, que estou no reino das mães emprestadas, onde os mimos se dão com tempo, onde as mãos ensinam a desenhar mundos melhores e a pintá-los a cores, onde a inexistência de consanguinidade reforça laços para a vida.

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