Poesias em ponto de rebuçado

12:58


Acabou hoje, agora mesmo, o sabor a limão na boca (talvez o sabor preferido). Amanhã, não haverá essa emoção para coleccionar, mas a sua recordação abraça o futuro com saudade, quase como se apertasse um amigo de longa data reencontrado por acaso, ao fim de muito tempo.

Dura, ainda, a alegria no coração apertado. Amanhã, não se repetirá o ritual de 365 dias. Esse cumprimento escrupuloso espicaça o desejo de embrulhar tudo outra vez e simular que vens ali, doce e meigo, repartido por instantes, de novo.

Todos os dias, a expectativa lutou com a ansiedade até ao momento de desdobrar o papel enroscado. Às vezes, os dedos apressados. Outras, mais tranquilos. Afinal, havia ali esperança de decalcar poesia do molde do rebuçado.

A virgindade do papel irritava e ditava a inscrição automática na espera do dia seguinte ver tinta a discorrer palavras. Essas, sempre lidas com voracidade, chegavam na ocasião certa. E tudo terminava selado por um sorriso fugidio.

Uma ideia brilhante condensada num gesto perfeito. Somente. A doçura de cada rebuçado trazia pedaços de ti, por isso, agora que acabou “um sorriso abre-se então / num Verão antigo / e dura / dura ainda” (Eugénio de Andrade). 

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