Rastos em papel de lustro

17:28

Curvada sobre a mesa pequena, desenhei o tamanho do pé que um dia viria a calçar, mas os meus dedos esticaram-se tanto que não entram no sapato de verniz que me ofereceram no aniversário, quando as velas ainda se contavam pelos dedos das mãos. Os mesmos que pegavam o lápis para cumprimentar o papel colorido, os mesmos que ainda tinham gosto em segurar uma tesoura sem pontas e girá-la pelos contornos, procurando o máximo de perfeição.

Agora, desajeitada, desatenta e crescida, folheio o caderno gasto e de pontas viradas. Nele ainda se agarram alguns pedaços mínimos. Aproveitava sempre, ao máximo, cada cantinho para inventar um novo desenho e copiar a imaginação. Acreditar que, um dia, seria tão real a alegria desse momento quanto a dor lancinante provocada pelo sapato que me apertava.

Nesse caderno que caiu em desuso, havia pequenos mundos, carregados de espaços em branco para que os sonhos pudessem caber e, também, para levar os amigos que nos davam presentes. Daqueles que nos chegavam às mãos, no recreio ou às escondidas do professor, entretanto voltado para o quadro. Daqueles que traziam cores em movimento e rabiscos apressados com sentimento.

(imagem retirada da Internet)

Não precisava de régua nem de compasso para as linhas terem equilíbrio e sentido. Sabia bem a proporção ajustada à dimensão do que verdadeiramente gostava. Hoje, estudam as simetrias, os gradientes de luz, a temperatura da cor e mil e uma coisas. E quem dera a todos recortarem memórias coloridas do caderno de papel de lustro que viajou na mochila.

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