Reencontros

06:50

Chego e morde-me a confusão pacífica deste sábado matutino. Há carros a jogar à apanhada, rostos carrancudos a controlarem-se para não buzinar ao que passa pelo lado direito. Semáforos a cada encruzilhada. Pessoas (poucas!) pelos passeios estreitos, encurralados entre edifícios sujos e cansados.

Há por aqui uma suspeita consentida de familiaridade forçada. Sigo placas, relembro vielas calcorreadas. Às vezes, sinto falta deste movimento. A tempo inteiro? Não, seguramente.

Sim, faz-me falta esta diversidade de gentes na rua mãe. Sim, gosto da defesa de causas cívicas, do apelo a abaixo-assinado em defesa dos espaços verdes, em defesa dos animais. Sim, gosto do roçar dos sacos entre os transeuntes.

Detesto as filas, o trânsito desesperante (mesmo ao fim-de-semana!). Detesto andar às voltas para conseguir um estacionamento. Detesto os atropelos e os empurrões da multidão.

Agora, o edifício já não é mais do que uma viva memória da fobia que lhe votei durante vários dias consecutivos. Ele é apenas a sombra gigantesca de um passado ido e despido. Agora, o olhar não se prende nele se não selado com um sorriso que rodopia entre o sarcástico e o libertino.

Há caras que acabo por revisitar e essas, sim, me fazem estremecer as recordações arrumadas. Até queria sentir-te afável e acolhedor, mas não consigo. Pertenço a outro lugar ainda indefinido, mas com outras prioridades.

Há velhos caminhos, por onde cresce selvaticamente a relva e rumos trilhados pela competitividade desmedida. Aqui, impera um individualismo que me cativa e me aterroriza, em simultâneo.

Nas pedras da calçada molhada, chuviscos de passos repetidos e derrotados. Trovejar de acidentes de percurso. Hoje, são as mãos que moldam o mapa. Olho-te então, do outro lado da praceta, alto, esguio, acinzentado. Percebo-te indiferente como sempre.

E estas árvores de antes continuam cá e os carros estacionados em cima do passeio, a garagem da oficina aberta, os saldos irresistíveis do alfarrabista, as roupas espalhafatosas de quem se oferece para sexo. Algumas caras novas, mas nos degraus de sempre.

Há aquele som característico da água na fonte, que tantas vezes cronometrou as madrugadas solitárias. Quase tudo na mesma e é boa essa sensação de reencontro com os lugares e as pessoas desses lugares.

E depois, no fim, aquele abraço à entrada do parque de estacionamento e aquele rir tão, tão teu, que me faz sentir em casa emprestada como se estivesse de novo na minha. Sei, então, que é bom voltar e encontrar-te.

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