Trincheiras de algodão

04:58

Enfio-me debaixo do cobertor que conheces e empurro a tristeza que sinto para o intervalo das almofadas. Há no reflexo do espelho uma reconversão das lágrimas. Não vou negar que luto contra o dia que findou e não partiu sossegado.

Precisava de ti a cobrir-me os ombros desta tristeza com o lençol da esperança, mas estou, exclusivamente, aturdida por esta consciência que me desgasta. Desejo o esquecimento dos pequenos episódios e, às vezes, até o aniquilamento das memórias boas.

Sim, porque eu tinha o meu esquema, onde as tristezas, as angústias, as frustrações encaixavam perfeitamente. Já não havia zangas para disputar o espaço. Todas cabiam à larga. Não havia emoção positiva que fizesse parte do índice.

Um dia, fui obrigada a rescrever tudo, a cada dia, sem pressas. Agora, consigo ter uma gaveta que já não fecha, por causa dos rascunhos que fui fazendo. O lápis gastou-se com tanto uso que os meus dedos lhe emprestaram e sobra agora, em tinta permanente, um derradeiro bilhete amarfanhado que me dá conta da tua partida temporária ou talvez definitiva.

As lágrimas que ninguém me conhece pertencem-me e só eu lhes conheço a origem forçada. As lágrimas que são minhas não são por ti, mas por aquilo que fizeste de mim. As lágrimas acabarão por secar e por me deixar de tal for enxuta que me secam por dentro. Depois, volto a ser agreste como os desertos, fugaz como os graus de areia, indomável como um amplexo da vista.

Eu sou assim, mesmo quando me tapo com o cobertor para me esquecer da minha tristeza e procuro o sono que não vem.

(imagem retirada da Internet)

You Might Also Like

0 apontamentos

Total de visualizações

Procurar no blogue