Suspiro suspenso

07:22

Caminhamos pela rua, distraídos e bem-dispostos. A conversa animada, os planos imediatos de conseguir uma esplanada para tomar café. De repente, reparo nos meus pés nas sandálias e ouço, do outro lado da estrada, os sinais da urgência, das pessoas que neste preciso instante precisam de assistência, os gemidos das aflições, o desespero presenciado pelas batas brancas. A noite está quente e eu assaltada por tudo isto que não consigo controlar.

Rimos não sei porque motivo, mas sei porque o deixei morrer. A uns três metros de distância, lá estava aquele corpo estendido, com um grosso cobertor por cima, mesmo por baixo de umas luzes coloridas. Tentei passar indiferente ou talvez me tenha convencido de ter conseguido avançar com essa intenção.


Já mais próxima, vi-lhe os olhos claros. Estavam voltados para o outro lado da estrada, onde se agiganta um edifício acolhedor de todos os males, dores e sentenças eternas. Ajeita o corpo enquanto nós passamos. Semi-cerrei os olhos e suspirei, logo imediatamente disfarcei.

Seguimos a nossa trajectória. Não olhei para trás. Nada podia fazer e preferia não ficar tão perturbada, quase como se fosse aquela outra noite. Fiquei a pensar naquele rosto, nas razões de ter chegado ali, nas conquistas que terá abdicado, naquela estranha liberdade que eles apreciam, naquela incompreensível vontade de viver debaixo das estrelas. Talvez essa seja uma forma, a única, que lhes é permitida de contemplar um espectáculo ao alcance de todos, independentemente das geografias, dos estatutos, dos feitios, das bolsas.

Acabei por dormir sossegada, sem sentir aquele mal-estar do colchão como há uns anos atrás, quando as luzes intermitentes do semáforo me fizeram perceber que nos beirais onde pousam os pássaros, também se acolhem sonhos e esperanças de quem se abriga por baixo sempre que a chuva ameaça cair impiedosa.

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