Cultura arroxeada

10:48

Um destes dias tive a ocasião de descobrir, por uma sábia voz que se elevou na parca assembleia, que a escolha da cor da casa é requisito inequívoco para avaliar o nível cultural. A iluminada pessoa defendeu, acerrimamente, que o gosto não pode determinar o uso das cores de arco-íris para pintar o exterior dos imóveis onde se habita.

E voltou a insistir, apontando que pintar a casa daquela cor garrida só demonstrava falta de cultura. Pois é, um conceito tão lato fora ali imediatamente redefinido. Com tal intervenção, o meu léxico saiu mais enriquecido.

Preservando e valorizando tão elogioso comentário na memória dos restantes, legitimam-se os olhares restritivos, o estreitar da intolerância, o estertor do respeito pela liberdade individual. É assim que pintamos a cor o mundo dos pseudo-intelectuais, cujo nível de cultura é tão elevado que não me permite chegar a aforismos tão acertados quanto desconexos da realidade.

Talvez tenha que se criar a figura de consultor paisagista para melhorar os horizontes e para que num destes amanhãs, se quiser pintar a minha casa, ficar a conhecer a cor que vai reflectir o meu grau intelectual para o mundo exterior.

Fico triste quando percebo que o mais importante é ter um pincel encostado entre os dedos e simular rabiscos toscos como uma interpretação cultural de arte abstracta. Por isso, suplico que nos meus anos me ofereçam uma borracha do tamanho da minha mão para borratar certas pinturas que vejo por aí na paisagem humana.

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