Pedestais de areia

13:05

Havia sempre um, de contornos definidos, fixo na sua mente. Só nessa certeza é que ele dava um passo em frente, acelerado e seguro. O objectivo era alcançá-lo com urgência e não arredar pé. Em cima do palanque, ele convencia-se da sua inteligência, dos seus atributos comunicativos, da eficácia dos seus gestos, da sua força imanente.

Debaixo do seu nariz adunco, ficavam os submissos ouvintes, remetidos ao emudecimento da sua iliteracia. Era isto que os seus olhos viam. E essa mão cheia de parasitas do presente nunca passaria de um bando de incompetentes no futuro.

Nessa assembleia de tolos pasmados, percebia-se a sua demagogia oca, desmontava-se o seu raciocínio falacioso, ignoravam-se as suas ideias rarefeitas. Todavia, havia um fingimento cortês, em respeito à sua decrepitude.

Ele, por seu lado, arrogava-se dessa premeditação repelente de humilhar, discretamente e sem fundamento. Tudo pelo prazer de se sentir nos píncaros do reconhecimento perdido. Era essa a forma mais indigna e perigosa de tratar os outros. Era daí que ele esperava colher a deferência que demorava a chegar.

Quando, por vezes, o periclitante pedestal abanava, fechava o cerco sobre si próprio. Voltava a lembrar-se do rapaz humilde, de chinelos rotos, rosto tisnado e braços suados, que um dia fora. Imediatamente, enterrava esses pilares de si na inconsciência e prosseguia com os discursos retóricos, exibindo um alter-ego que nunca teria.

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