Distúrbios fonéticos

15:17

O som frenético, doentio dos carros acelerados na calçada defronte à tua casa corrói-me o sono. Enfurecidos, percorrem a rua para a esquerda e para a direita. De manhã, à tarde e à noite, sem darem descanso. Enervam o sossego de aqui estar.

O som jorra dessas colunas invisíveis para ritmar as mãos que remexem a roupa ao monte ou puxam cabides. Apressada, a música oferece-se em modo contínuo, desde o exacto momento em que a porta se abre. Então, o meu cérebro entra numa rotação alvoroçada.

O som estridente do galo ao amanhecer funciona com o mesmo estrépito do despertador do telemóvel, rompendo o isolamento das janelas ou o sufoco da almofada sobre a cabeça. Repentino e imprevisível, o barulho ecoa pelo quarto, sem meiguice.

O som incómodo da buzina que anuncia a chegada do padeiro ou do talhante à aldeia aborrece-me profundamente. Desencadeia vozes que gritam das varandas para o outro lado da rua. Transforma a pacatez em alarido mercantil.

O som das ambulâncias na estrada faz-me estremecer à sua passagem fugidia. Essa emergência que escapa ao alcance dos meus olhos deixa-me tensa, acorda velhas memórias, atira-me para o medo das aflições que um dia chegarão.

O som minimalista no final da noite lembra-me o vazio deixado pelos teus sussurros sibilantes. Soa tranquilo como a vaga lembrança da tua presença. Perturba-me por esse silêncio que se desprende nos intervalos das notas.

E como escapar a este cosmos povoado de sons indesejáveis?

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