Discrição confidente

16:14

Não importa o tempo que faz lá fora quando te roubo ao mundo por uns dias. Quero-te. E não me importo de assumir esse egoísmo enfermo, porque sei que partirás mais tarde. Ficarás lá longe, durante longas e intermináveis horas, essas mesmas que desfilarão por mim com ar trocista.

Nesses instantes que partilhamos, sei que há sempre música. A que tu escolhes, por sinal. E eu gosto de me deixar levar por esse ritmo descompassado que ribomba no peito.

Nesses momentos, há um mundo inteiro dentro de quatro paredes esguias e invejosas. Sucedem-se os sussurros debaixo da almofada, as gargalhadas encadeadas, os desvelos matinais. Toco o perfume da tua pele, enquanto sinto o tamborilar dos teus dedos. Sopras-me ao ouvido e mexo-te no cabelo, espontaneamente. Gosto dessas madrugadas com bolachas de chocolate e chá quente, que me trazes em segredo.

Ao teu lado, a vida é projectada na escala da perfeição. Tu saltaste desse esquisso para os meus braços, segurando-me a mão trémula para me ensinar a desenhar futuros solarengos.

Lembro-me dos incontáveis olhares com que, subtilmente, te perscrutei. Morava em ti um mistério que me desafiava. Por fim, decidi pular as muralhas e destapar-te o coração. Descobri-o enregelado e sozinho. Quase igual ao meu, que já se tinha viciado nesse modus vivendi. No fundo das arcas esquecidas no sótão das memórias, fui buscar as sebentas para saber como chegar a ti.

Com vagar, fomo-nos afastando dos desencontros. Vieste até aqui para não mais partir. Com esse olhar profundamente meigo agarraste-me para me passear à beira-mar numa cidade encravada nos montes. Fui descobrindo o teu riso e conhecendo os pilares da ternura. Ofereceste-me, logo pela manhã, a tua companhia. Lançávamos suspeitas para os outros, enquanto varríamos as certezas para debaixo da alma.

Ontem, tal como hoje, continuam, em ti, as palavras certas, rimadas, apaixonantes. Nesse encadeamento sentido, admiro a simplicidade e o entusiasmo tão teus. Depois, há também a harmonia desse abraço, onde cabemos os dois na medida exacta. Desde então, apenas vamos mimando os gestos que nascem sedentos. 

Foi assim que aprendemos a gostar, quase sem querer saber. Há entre nós uma maratona de sentimentos, que correm na pista da felicidade e que têm o cheiro a papel que inspiramos nos alfarrabistas das vielas.

Amanhã, sei bem a urgência que tenho de ti, de todos os fragmentos em que te desdobras e escondes. Comercializam por aí atenuantes, mas eu bem sinto as saudades multiplicadas ao expoente máximo da sua possibilidade. Se te disser que me fazes falta, não chega. Se te provar que me custa respirar contigo longe, não é suficiente. Mas, talvez, se te disser que te amo, consiga fazer o teu coração rir como uma criança feliz. É esse o desejo maior para o resto da existência: fazer-te rir todos os dias como se fosses pequenino. Nesse berço de grades de cartolina colorida, embalar-te-ei os horizontes, com carinho.

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