Livre-arbítrio

17:45

Com impunidade e de sorriso feito, olhou para a câmara e proferiu aquelas palavras. Entraram em milhões de casas, à mesma hora, no mesmo tom. E será que só a mim me soaram tão surreais?

Paladino da razão, abre a boca sem filtrar o pensamento pelo bom senso. Militante das opiniões sustentadas, assenta as suas em feitos daqueles que trabalharam no anonimato.

Será que ele percebe realmente o peso da palavra «liberdade»? Será que nós também nos questionamos sobre esse privilégio arrogado como direito, que herdámos sem ter consciência do quanto custou a sua conquista?

Houve um preço que foi saldado por muitas pessoas. E hoje ela chega-nos inteira, compacta, omnipresente. Ela nunca nos remete para os maus-tratos físicos e torturas psicológicas que os nossos antepassados sofreram. Eles resistiram, sem abdicar desse ideal, dessa esperança num futuro melhor, desse sonho colectivo.

Hoje, comportamento similar nunca teria lugar. Só o facto de pensar no bem-estar do outro se revela intransigente, até mesmo sendo o familiar, o amigo, o vizinho, o colega de trabalho. A prioridade gira em torno de cada um.

Hoje, não se acredita em valores. Já não se defendem causas. Os princípios querem-se moldáveis às circunstâncias mais convenientes. O livre-arbítrio é largamente subjugado à vontade de querer ser aquilo que nunca se foi.

E ele ali está: iluminado pela luz do estúdio, a disparar uma verborreia enfadonha que entretém quem o atura refastelado no sofá, sem sentir o impulso de fazer uso da liberdade que lhe ofereceram e carregar no botão de desligar.

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