(Des)Fortunas

11:31

O número é bem redondo, com muitos zeros à frente. Está escrito a rosa florescente e sublinhado a verde. Talvez tudo se conjugue para chamar a atenção, captando o olhar de quem compra pão ou paga os cafés. Aquela série convida à aposta.

E mesmo em tempos que se dizem de crise e de contenção, as pessoas fazem fila para registar o boletim. No pequeno estabelecimento, percebe-se bem essa azáfama pelo rosto suado da empregada que recebe as fezadas, validando-as, devolvendo os trocos e os comprovativos.

A título de brincadeira, também ajudamos a engrossar o grupo. Rimos com a eventualidade de sairmos vencedores, negociamos unilateralmente como repartiríamos o prémio, damos asas aos planos caprichosos.

Imagem retirada da Internet

Olho para o visor da caixa registadora e vejo montantes que dariam para comprar pão durante um mês. As caras revelam esperanças e um desejo implícito de acertar nos números. Pela cabeça, presumo que lhes passem mil ideias para melhor desfrutar de tal quantia.

Contudo, para todos os que ali estávamos nada mais há do que a certeza de investir dinheiro sem retorno. Mas o que levará tantas pessoas a apostar numa série aleatória, intuitiva ou premeditada, de números, quando a possibilidade de a sorte lhes bater à porta é tão ínfima?

Será que sofrem de ansiedade pela hora do sorteio? Como se sentirão depois de verem os seus números apenas no papel que seguram nas mãos? O que as leva, semana após semana, a insistir? Será que acreditam mesmo que podem sair vencedores? O que pesará mais: a ambição, a esperança ou a mera possibilidade de conseguir mudar de vida?

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