Ingerência incumbida

05:30

Elas formavam um quinteto. Até há uns anos atrás, tinha sido orquestrado pelo irmão do meio. Enchiam a rua calcetada de correrias e risos. Jogavam à apanhada, saltavam ao eixo, escondiam-se uns dos outros. Quando a mãe os chamava, sabiam que a sopa os esperava. Ao serão, contavam histórias.

A mais velha viu nascê-las, uma por uma. A emoção poder-se-ia considerar mais domesticada à medida que o tempo passava, mas não. Era sempre o medo mansinho e a expectativa incontrolável de lhes conhecer os traços, o tamanho, a tez.

Agora, era ela que, encostada e desamparada naquele sofá, encerrava as lágrimas. Num silêncio respeitável, sofrido, subtraído às memórias desse tempo feliz, chorava a morte de uma delas. Fragmentos de si soçobravam.
E ali estava ele, desconfortável e a fingir serenidade perante aquele cenário de pesar, de uma dor que não sentia. Tinha sido mandatado para escarafunchar a intimidade, esse bem inalienável. Tentou anestesiar-se, sabendo que não havia forma possível.

Quase na soleira da porta, de frente para elas, olhava-as de forma esquiva. No íntimo, debatia-se com a vergonha daquela intromissão. Transformado ao agiota de coisa inexplorada em nenhures.

Desejou profundamente que o insultassem, que o expulsassem, que não o recebessem com essa cordialidade. No átrio daquele sofrimento alheio, não podia estender as mãos para um abraço. Remetido, apenas, a estátua periclitante.

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