O berço dos nómadas

17:06

Visitamo-la um dia, por vários dias. Tínhamos combinado aparecer lá, de surpresa, sem avisar ninguém. Um desafio mútuo, assentido. Queríamos simular um regresso aos dias para sempre irrepetíveis.

Ingenuamente, saímos do carro e avançámos na direcção do portão de grades azuis. Não contámos que o porteiro não autorizaria a entrada, que houvesse cartões para passar, mochilas diferentes e caras, na sua maioria, desconhecidas. E ao pé deles sentimo-nos grandes, como um dia ali sonhámos que seríamos. Se calhar, não tão grandes.

Lembrámos que naquele berço de cidadania, alimentámos os sonhos que trazíamos no peito, as forças para as lutas desenfreadas com os dias, as partilhas cúmplices. Entretanto foi inevitável a partida para conhecer os muros além escola e as fronteiras de outras cidades.

Tornámo-nos assim, com rapidez e simplicidade, corredores de alcatrão, escravos no combate às distâncias. Enfrentámos contextos adversos, sentimo-nos desenraizados e sozinhos. E ao fim-de-semana, hoje tal como antes, voltamos.

Habituámo-nos, necessariamente, às permanências de curta duração. Não criamos laços para não ter que sofrer com os cortes. Cultivamos amizades cibernéticas, porque pelo menos essas raramente ultrapassam esse contexto.

Faz-nos falta uma conversa madrugada fora, mas a companheira fiel é essa solidão rejeitada. Arrumamos malas e partimos rumo às poucas certezas que outros poisos nos asseguram. Continuamos a dar azo ao nosso espírito aventureiro.

Contudo, a essência da identidade mora aqui, de onde nunca sairá. Dos outros lugares levamos apenas sentimentos ilusórios de pertença. E nos regressos circunstanciais, sofremos a distância, sobretudo quando vemos edifícios novos, serviços transferidos, mudanças estruturais que acabam por nos chegar de uma forma aleatória.

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