Colheitas

14:32

O despertador parece ter trocado as horas. Ao erguer madrugador segue-se o pequeno-almoço reforçado para aguentar a jornada de trabalho. Aprecio toda a azáfama em torno do carregar dos baldes, do verificar se tesouras e facas estão bem afiadas, da definição do percurso, da distribuição do pessoal.

Por fim, vergada sobre as cepas, contemplo o esforço do homem que, dia após dia, vigiou de perto a sua vinha, debaixo de chuva, sob um vento agreste ou depois de calcorrear montes e vales com um sol tórrido. Ali mesmo, imagino o mesmo chão abandonado daqui a uns anos, quando o mesmo homem deixar de ter forças para cuidar e não tiver ninguém a quem possa delegar os seus saberes.


Distingo facilmente a sua vontade de ver crescer, os seus gestos de protecção, o seu desvelo ao longo de um ciclo. Ali, a certeza de ser obra sua. Aos outros, está reservado o papel de bater as palmas no final, que é como quem diz estender as mãos para apanhar os cachos tintos e brancos.

Gosto de sentir os cortes em silêncio, sem vozearias indiscretas, sem alaridos desmesurados. Gosto de ouvir o ruído das sapatilhas quando o pó da terra as reveste. Gosto que aqueles instantes de colheita sejam íntimos.

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