Afeição incondicional

04:48


Podíamos ter crescido juntos e, então, teríamos peripécias de recreio, brincadeiras infantis e partidas pregadas para evocar. Podíamos ter estudado juntos e, então, teríamos reclamações em comum, professores de estimação e alvos de maledicência. Podíamos ter mais essas histórias na bagagem, mas o tempo encarregou-se de cruzar os nossos caminhos um pouco mais tarde.

A primeira piada é agora fóssil mnemónico. O primeiro sorriso rasgado é agora completamente pessoal e intransmissível. O encontro feliz recuperado uma e outra vez, sempre que o coração implora por aquilo que os olhos não voltarão a alcançar. 

E, desde então, preciso de te sentir por perto. Essa presença que provoca a ubiquidade devolve-me uma segurança insubstituível. 

Tu és aquele a quem sei que posso ligar a qualquer hora. Aquele a quem o meu silêncio magoa. Aquele que compreende os segredos que ainda não quero revelar. Aquele que percebe a minha tristeza sem lágrimas ou lamurias. Aquele que se entrega para arrancar uma expressão envergonhada em público. Aquele que passa para dizer 'olá' a pretexto de partilhar histórias. Aquele que está sempre na bancada, camuflado entre a multidão e com a camisola sempre vestida. 

Aquele que permanecerá depois das festas, da irreverência, da maioridade, da pujança da juventude, dos casamentos, dos filhos, dos funerais, até sermos muito velhinhos para rirmos das nossas angústias e dos sonhos que abdicámos. Nessa altura, é bem possível que lamentemos as dores depois de recordarmos as noites em que embriagávamos as emoções, as alegrias que partilhámos, as incertezas que vencemos e os longos abraços que trocámos.

You Might Also Like

1 apontamentos

Total de visualizações

Procurar no blogue