Bragança: Livrarias são um negócio com os dias contados

15:05

Depois do consumismo natalício, as livrarias de Bragança regressam à normalidade. A falta de hábitos de leitura dos brigantinos faz com que a venda de livros não seja um negócio rentável na capital de distrito do nordeste transmontano.

A cidade de Bragança conta com mais de uma dezena de estabelecimentos que são simultaneamente livrarias e papelarias. Por uma questão de sobrevivência económica, não há um único estabelecimento que se dedique única e exclusivamente à venda de livros. José Fernandes, um dos proprietários da Livraria e Papelaria “Rosa d’Ouro”, explica o porquê: “Não dá para viver só do livro. Viver dos livros é complicado, sobretudo na região.” Perante a possibilidade de se venderem só livros, Cláudia Rodrigues, funcionária da Livraria e Papelaria “Cultura”, responde que “isso era mais complicado”. Na Livraria e Papelaria “Gomes” registam-se poucas vendas: “então em livros é que quase nada; o que se vende são revistas de fofocas e jornais”, diz o proprietário António Gomes.

Segundo Sara Paiva, da Livraria e Papelaria “Arcádia Lusitana”, “há dias bons na altura da época escolar”, embora já haja grande quebra, porque as pessoas fazem as encomendas pela Internet directamente às editoras, que depois enviam por correio ou mesmo com entregas ao domicílio, serviços que a livraria da qual é funcionária não pode assegurar. “Passou o Natal e agora vem aí o drama até que comecem as aulas, os testes e os exames”, diz preocupada Sara.

As dificuldades prendem-se com a falta de clientes e com o facto de não haver dinheiro, de um modo geral, por causa da crise. O que se constata facilmente é que os estabelecimentos auferem mais rendimentos dos serviços de papelaria (fotocópias, venda de material escolar e de artigos de escritório) do que pela venda de livros.

Margarida Teixeira, da Livraria e Papelaria “Gomes”, afirma que a situação das livrarias em Bragança é “”, em relação àquilo que foi no passado. Fernanda Silva, da Livraria e Papelaria “Popular”, mostra-se mais céptica: “a situação das livrarias, em Bragança, é péssima, embora já tenha sido melhor”.
Bruno Barbosa, da Livraria e Papelaria “Artfil”, diz mesmo que “não vale a pena investir, não neste momento” e atribui a responsabilidade da situação actual à “concorrência desleal dos hipermercados e da Internet”, que retiram vários clientes.
Os hipermercados são os principais concorrentes das livrarias bragançanas, porque, como encomendam maiores quantidades de livros, praticam preços mais baixos, apesar de nas livrarias haver a possibilidade de “fazer um desconto” como diz Sara Paiva. De acordo com Fernanda Silva, “O hipermercado é o maior concorrente, porque oferece melhores preços e porque as pessoas aproveitam para comprar livros ao mesmo tempo que fazem outras compras”. Segundo a mesma, as pessoas que compram nas livrarias fazem-no por causa das “facturas para o IRS”.

A aquisição de livros em Bragança é fraca, mantendo-se constante ao longo do ano, mas tendencialmente regista um ligeiro aumento no Natal. As livrarias “Popular” e “Rosa d’Ouro” admitem que é a altura do ano em que vendem mais livros.

Num distrito marcado pela interioridade, muitas vezes esquecido pelas medidas de desenvolvimento prometidas por sucessivos governos, o progresso é dificultado pela falta de iniciativa privada. Daí que se compreenda que o acesso à cultura não seja uma prioridade para os brigantinos.

Como a venda de livros não é um negócio rentável, falta também algum envolvimento dos proprietários dos estabelecimentos em oferecer produtos e serviços diversificados, inovadores e de qualidade.
Aqui, há a registar que nenhuma das livrarias dispõe de um site ou de um e-mail disponível ao público, à excepção da Livraria e Papelaria “Rosa d’Ouro” que tem um mail à disposição das pessoas (embora a sua utilização seja reduzida). José Fernandes revelou que a construção do site estaria concluída em Janeiro e que o site estaria online ainda durante este mês. Em seguida, traçou os objectivos do site: “pretendemos dar-nos a conhecer, dizer o que fazemos, seleccionar o “livro da semana”, divulgar campanhas de desconto e promoções”, no entanto, alertou para o facto de ser “algo muito básico”. Ao esclarecer este último aspecto, apontou “a falta de recursos humanos” como o principal obstáculo à actualização de um site. A justificação para a inexistência de um site está em expressões vagas: “ainda não surgiu a ideia” (Fernanda Silva).


Nas restantes livrarias, o e-mail é utilizado a nível comercial. Além de facilitar um contacto mais rápido com os fornecedores para encomendas e pagamentos, é uma exigência das editoras, que divulgam as suas novidades via Internet.

A falta de sites ou de e-mails à disposição do público mostra a reticência dos livreiros brigantinos em utilizar novos serviços ou, então, o desconhecimento, visto que alguns ainda confundem site com e-mail.
A possibilidade de construir um site é uma hipótese que não é descartada, no entanto, não será uma realidade a curto prazo, porque se desconhece a reacção do público e teme-se o seu grau de receptividade. Numa posição mais descrente, o proprietário da “Artfil”, argumenta que “não vale a pena, porque aqui não funcionaria. Isto é mesmo o fim do mundo a nível de cultura”.

Quanto à percepção que têm dos hábitos de leitura dos brigantinos, os livreiros são unânimes ao afirmar que há falta de hábitos. Há quem seja mais cáustico ao declarar que “não há hábito de leitura em Bragança” e ao concretizar as razões: “talvez se possa dever ao próprio meio, com hábitos muito rurais (…) em que é só trabalhar e ir para casa, e depois não é para ler”, palavras de Bruno Barbosa.
A funcionária da “Arcádia Lusitana” diz: “as pessoas lêem muito pouco e acho que deviam ler muito mais, principalmente gente jovem”, embora haja pessoas que se nota que “devoram livros”, defende Cláudia Rodrigues. Explicações para a falta de hábitos de leitura em Bragança não faltam, sendo as causas principais o desinteresse, porque “as pessoas gostam pouco de ler”, segundo Fernanda Silva, e o hábito de não ler, como confirmam as palavras de Sara Paiva: “não estamos habituados a ler tanto como deveríamos estar”.

A ideia generalizada é que não há muito o hábito de leitura na capital do nordeste transmontano. A verdade é que se há pouca leitura, também, não é menos verdade que se compram poucos livros. A este propósito, Sara Paiva garante que «as pessoas só compram livros quando precisam mesmo, não é como peças de vestuário, que, mesmo que não façam falta, compram sempre. (…) Não compram livros por gosto».
É consensual entre os livreiros que o preço é a razão principal das pessoas não comprarem livros, apesar desse factor ser insuficiente para fundamentar a falta de hábitos de leitura. Há sempre a possibilidade de recorrer a bibliotecas e à troca de livros com familiares e amigos. Mesmo havendo livros a um preço acessível, Cláudia Rodrigues admite que há uma relação qualidade-preço que legitima o preço mais elevado de alguns livros, principalmente, os que são escritos por autores consagrados.

O que motiva a compra de livros é, sobretudo, o prazer da leitura e o desejo de aumentar o conhecimento e/ou o grau de cultura. As pessoas elegem os livros como prendas. Portanto, na época do Natal e em aniversários, a compra de livros para oferecer aumenta.

Entre os factores que pesam para que as pessoas continuem a comprar livros nas livrarias, em relação a outras alternativas como os hipermercados, bibliotecas ou empréstimos, estão o atendimento personalizado e “o hábito de vir à livraria” como afirma António Gomes. Relativamente a este último aspecto, todas as livrarias assumem ter um público consumidor bastante fiel. Os livreiros dizem que quando querem comprar um livro ou livros, normalmente, as pessoas já têm definido aquilo que querem, mas também pedem sugestões ou conselhos, nomeadamente, quando os livros se destinam a oferecer, enquanto que nos hipermercados não é assim.

Perante a pergunta: “as livrarias de Bragança oferecem serviços e produtos semelhantes aos dos grandes centros urbanos?”, assumem-se falhas e realçam-se virtudes. A este respeito, Bruno Barbosa diz “melhores só mesmo no atendimento, que é imbatível”, mas assume que na variedade de produtos: “a oferta é limitada e demasiado generalista”. A Livraria e Papelaria “Cultura” é a única a permitir o “self-service”, as pessoas têm a oportunidade de “folhear os livros tal como nos hipermercados e fazemos entregas ao domicílio para empresas”, enuncia Cláudia Rodrigues. O proprietário da Livraria e Papelaria “Gomes” diz que “os preços são iguais”, logo, o que marca a diferença é “o atendimento que é essencial, se não adeus freguês”. Fernanda Silva sublinha que, com base naquilo que as pessoas comentam no seu estabelecimento, “talvez os produtos sejam mais baratos”.

Os brigantinos preferem a prosa, embora na Livraria e Papelaria “Gomes” defendam que a poesia de Fernando Pessoa vende bem. Os livros mais procurados são os contemporâneos de romance e de aventura. As livrarias, cuja localização é próxima de alguma escola, vendem mais livros técnicos e escolares.

A nível de vendas, há um equilíbrio entre a literatura nacional e a estrangeira. Entre os escritores nacionais que vendem mais livros estão José Saramago e Miguel de Sousa Tavares. Para os mais novos, Alice Vieira, Maria Teresa Maia Gonzalez, Sophia de Mello Breyner Andresen, Ana Maria Magalhães e Isabel Alçada são as autoras escolhidas. Paulo Coelho e Nicholas Sparks estão no topo das preferências estrangeiras; as escritoras Isabel Allende e Susanna Tamaro também vendem bastante bem. Os mais jovens preferem Rowling, com as aventuras de Harry Potter, e Tolkien do “Senhor dos Anéis”. À excepção da “Artfil”, as restantes livrarias mostram-se disponíveis para apoiar a divulgação de novos escritores. O proprietário da “Artfil” legitima essa atitude assim: “Tenho que apoiar o que vendo, porque infelizmente vendo pouco”.

Ainda que a leitura da realidade das livrarias brigantinas seja negativa, os livreiros esperam dias de melhores leituras que passam por uma maior adesão à leitura dos habitantes da cidade.

(agradeço a disponibilidade e a simpatia de todos aqueles que tornaram possível esta reportagem)

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